sábado, 30 de novembro de 2013

apreço

Não se compra uma mulher com um diamante.
É o amante quem precisa levar brilho aos olhos dela, noite e dia,
muito mais que uma pedra.
Não se compra uma mulher com um avião.
A mulher pode ir bem mais alto, sem sair do chão.
Não se compra uma mulher com promessas.
Não há mais mulher que não meça prós e contras e que acredite eternamente em faz de conta.
Não se compra uma mulher que não se vende.
Vender-se e vendar-se transformam mulheres em coisas, que têm preço; amar uma mulher exige apreço.

perdão

Perdão não significa uma imensa perda.
Ao contrário, ele restabelece o equilíbrio, lustra os brios da alma,
distribui entre ela e o corpo lufadas de paz e leveza.
Perdoar é doar, a si mesmo, os benefícios da humildade e da compaixão.

volto já

Vou ali e já volto. 
Mas só quando puder ver o silêncio das noites abraçado à ternura das manhãs.
Vou ali e já volto.
Até que pelo menos algumas de minhas utopias não sejam vãs.
Vou ali e já volto.
Aguardarei na estação o retorno da ingenuidade, libertada do exílio.
Vou ali e já volto.
Quando o conhecimento for tratado como um filho.
Vou ali e já volto.
Darei umas voltas ao redor da ignorância.
Para que ela fique tonta e se redima com elegância.

com arte

"Se vai acontecer ou não, é só deixar o tempo te dizer".
Mas não custa nada dar um empurrãozinho, não é mesmo?
Afinal, os anjos dão um duro danado e bem que podemos contribuir.
Além do mais, algo me diz que o futuro está sempre acontecendo,
tecendo em nós as palavras e os gestos que nos trarão aconchego.
É como se nos dissesse, bem baixinho: eu já chego mas, até lá,
façam a sua parte e, de preferência, com arte.

real

Eu devia pagar onze reais. Entreguei uma nota de vinte. A moça perguntou se eu tinha um real. Entreguei a moeda. Ela, então, estende-me uma nota de vinte, talvez a mesma que eu acabara de passar. Devolvo, dizendo que havia pago exatamente com uma cédula de vinte reais. A atendente olha-me perplexa e, sem uma palavra, dá o troco correto.
Será que o senso comum desconsidera a possibilidade de alguém ser apenas honesto?
Leve-se em conta que honestidade não deve ser considerada propriamente algo elogiável, digno de estardalhaços. Não ser desonesto deveria ser decorrência natural da formação educacional, um retrato em preto e branco daquilo em que se acredita.

ímpar feição

É preciso peito para amar o impreciso.
Há que ter muito tato ao realizar o contato inventivo.
Uma boa dose de sorte para encontrar o defeito perfeito.
Mas, depois disso, é festa, não tem outro jeito.

F5

Pressionar a tecla F5 nos conceitos
evita a chegada de um futuro antigo.

escutatória

Faço uma opção, ao menos transitória, pelo simples, pelas expressões minimalistas.
Lanço olhar atento sobre entes que não precisam competir. Aqueles que protegem suas competências com o silêncio de suas ambições. Embora as tenham, mas não as predatórias. Oratória, por ora, só se for para orar, prescindindo da boca. Cansei da palavra oca.
A "escutatória" é a arte que me seduz e envolve. Tenho ouvido mais e resolvido menos. Poupando-me de achismos, para finalmente me achar.

arbitrário

Pensamento arbitrário,
que faz tudo ao contrário,
só pra te provocar.
Será necessário
exercício diário
pra te contrariar.

carne viva

Eu quis muito ser filho.
Até fui, mas só por um fio.
Sobre esse fio eu andei, às vezes devagarinho, outras vezes voando, mas sempre temendo cair.
Não havia rede, nem proteção, a pele toda eriçada, tão distante dos poros, querendo sair.
Em carne viva, dei vivas à carne, que tanta falta me fez.
Um dia, entendi que o melhor banquete só se reconhece na ausência da fome, talvez.
Pai eu quis muito ser.
E sou, mas demorei um pouco para entender.
Foi preciso ouvir mais e melhor meu coração, para me desvencilhar das teias do abandono.
Amo ainda mais meus filhos, por afinal ter conseguido amar o filho que fui, num sonho.

a poesia e a estupidez

A poesia se engasga,
tosse, 
fica pasma, 
tem crise de asma,
em meio a tanta estupidez.
Ela estremece,
se encolhe,
parece que quase se recolhe
e não é por timidez.
A poesia, então, reage,
vira uma leoa, ruge,
convoca todos os versos
e encara o visível e o invisível adversos,
para espantar o fantasma de vez.

âncora

Uma vida ancorada no consumo
faz naufragar o sumo da vida.

sem título

Ainda nos surpreendemos com o que não é surpreendente.
O recorrente insiste em chocar.
Quem sabe por algumas aberrações chocarem-se com o que nos é muito grato.
E essa colisão faz barulho e deixa vítimas, dentre elas a capacidade de acreditar.
Até porque o inacreditável tornou-se figurinha fácil, frequentador assíduo de um cotidiano que não muda, a cada ano.
Malas brancas, malas pretas carregam valores vazios, vadios.
Onde estarão os sadios?
Terão dito "adiós"?
Derramam sobre nossas cabeças baldes de exemplos baldios.
Debalde reclamar, espernear em vão.
Algo em nós aponta para as pontas dos pés e diz: vão!!

sem título

Acredito em coisas, sem as ver
Vejo coisas, sem acreditar