sexta-feira, 28 de novembro de 2014

o toque

Público e privado parecem estar emaranhados como nunca. Estão escancaradas as fronteiras da privacidade, abertas à visitação pública.
Escandalizamos aquilo que deveria permanecer íntimo. Talvez por nos intimidarmos com os efeitos colaterais dos sentimentos e ressentimentos reprimidos. Mas publicizar o que é pessoal não equivaleria a jogar na privada o que poderia ser reciclado? Por outro lado, vivemos a era da obsolescência, em que os prazos de validade invalidam a longevidade de tudo. Com tantas mortes anunciadas (de coisas, relacionamentos...), corremos o risco de banalizar todas as finitudes e, mais que isso, de antecipá-las. Para que algo seja infinito enquanto dure, como escreveu o poeta Vinícius de Moraes, é necessário que esse algo realmente dure.
Paralelas só se encontram no infinito. Mas estamos falando de convergências, de linhas que se tocam. E tocar-se não significa colidir e sim coincidir. Quem aprende a tocar alguém descobre o som mais lindo do universo!

terça-feira, 25 de novembro de 2014

a periferia da emoção

Alguém disse que o amor tem razões que a própria razão desconhece. Desconheço a autoria da frase e as razões que teve para escrevê-la.
O amor sempre tem razão, desde que seja amor. O busílis da questão
é que o conceito de amor está em questão. Dizemos amar por inúmeras circunstâncias, repetidas e defendidas em todas as instâncias existenciais. Ama-se em decorrência da falta, do sono que voa baixo em noite alta. Ama-se em fatias, pois assim fizeram nossas tias. Ama-se sazonalmente e aí mesmo que tudo vira uma zona, inclusive na mente.
Ama-se por necessidade de acreditar que se está amando. Ama-se a mando da razão e a despeito do coração. Ama-se demais até quando e cada vez menos, à medida em que o tempo vai coando a essência, a excelência daquele sentimento. Ama-se na condicional, ou seja, ama se...Amor de tiro curto, 100 metros rasos, bem rasos. Que não resiste às lonjuras, que se restringe às juras e aos juros que se cobra de um investimento tão capital, que de repente se dobra feito uma esquina. É quando o amor esquiva-se e se muda para a periferia da emoção.
A vida tem amores que o próprio amor desconhece. A vida tem muitos clamores, que muitas vezes a gente ouve, mas esquece. Por isso, perguntamos, com duvidosa inocência: o que houve?
Amor é substantivamente adjetivo. Amar é verbo que pode e deve ser conjugado em e por todas as pessoas. Para que soe bem, para que faça bem. É no colo da pluralidade que ele se torna magicamente singular

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

três asteriscos

Se enjoou, varia
Se o conhecimento calou, chuta
Se quer saber o valor, avalia
Se as palavras cansaram, escuta
Se ele não merece, chuta
Se é inevitável errar, varia
Se quer ser ouvida, escuta
Se houver três asteriscos, avalia

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

sujeito determinado

Gosto de sujeitos que não se sujeitam.

domingo, 16 de novembro de 2014

surto

Para chegar à tal da felicidade,
não adianta virar à esquerda, muito menos à direita. 
Esse caminho nem sempre está numa avenida, 
por vezes trata-se de uma rua estreita. 
Não é longo nem curto.
Por isso muitos desistem de encontrá-lo
e são achados por um surto.

sábado, 15 de novembro de 2014

tat(ame)

Ame e dê vexame. Se não estiver sendo ouvido, chame. Reacenda a chama mas, acima de tudo, ame. Descubra o âmago, seja o mago do seu próprio amor. 
Ame e não reclame além da medida. Apenas a alma não deve ser comedida. Faça comédia, fique acima da média, abra mão da contramão subentendida. 
Ame sem exame. Nada de testes, por mais que detestes a ideia da intuição. Lembre-se de que mentiras são enxames de erosões famintas. Portanto, não mintas, pois as pernas serão curtas para atravessar tamanho abismo.
Ame como num tatame. Deite, role e produza imensa prole de motivos para que a festa não sinta a menor vontade de acabar.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

lensóis

Que haja tanto brilho, tanta luz em teu amanhecer que te sintas sob "lensóis" !

terça-feira, 11 de novembro de 2014

à mercê

Junho, escreva de próprio punho
Descreva todas as parábolas
que recaem em você
Junho, fique bem juntinho
Mas não faça burburinho
para que o silêncio fique à mercê

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

o que é direito

Quero ver como se jamais houvesse visto. Com olhos nascituros,
que produzam olhares puros, sem resquícios ou indícios de passado
ou futuro. Quero enxergar no escuro, no furo das evidências. Quero
abster-me de ciências e de penitências, reunir todas as ausências e
transformá-las numa grande festa. Quero ver o que infesta as frestas,
pular o muro do improvável. Descobrirei o olhar inflável, que flutue na
espuma das nuvens e dos mares e rios. Um olhar que derreta os frios,
as rochas, que conduza as tochas ao lugar mais iluminado que já se viu.
Dispenso óculos e lentes, bem como paisagens indolentes que não me
provoquem. Ficarei distante das coisas ocas e olha que não são poucas.
Penso na perspectiva da intuição e que os ventos soprem ao meu
ouvido esquerdo o que é direito. É desse jeito que olharei.

domingo, 9 de novembro de 2014

canetas e caretas

Viva essa gente da pá virada que preenche vácuos de incredulidade com poesia laica. Vivam as mentes transviadas, que curam a poluição dos
rostos desmaiados. Mil vivas à arte mal-comportada, que bagunça os certinhos, acertando-se com as moscas, para que desacatem suas sopas de verdades enferrujadas. Zilhões de vivas às tempestades, para que lavem nossas almas, para que levem todos os grilhões, para que nos livrem das caretas dos caretas e de suas canetas que assassinam a assinatura da liberdade.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

diz quem

Gosto de quem arde, de quem nunca acha tarde
Gosto de quem reparte e não abusa do aparte
Gosto de quem ouve, de quem compra a minha briga e depois pergunta o que houve
Gosto de quem não se conforma, mas não deforma os fatos
Gosto de quem tem café, cafuné e fé no bule
Gosto de quem não tem pressa, de quem diz: peça
Gosto de quem sabe escolher os pecados, de quem não manda recados
Gosto de quem sabe sem cuspir saber, de quem sabe esculpir prazer
Gosto de quem faz a diferença e se desfaz da indiferença
Gosto dos que gostam de gostar, dos que choram vendo Ghost
Gosto afinal de quem está com a vida e não abre, até o final.

escafandristas

Somos sobreviventes. Sobrevivemos principalmente a todas e tantas esperas. Nada é mais longo que esperas. São filas intermináveis de desejos, ora calados, ora colados em nossos ouvidos. Resistimos pela humanidade que existe, em doses variadas e variáveis, em cada um de nós. De quando em quando, precisamos retirar palavras, pensamentos,
olhares e sentimentos contaminados que são espetados em nossas peles. E muitas vezes sequer percebemos. Adormecemos sobre insônias,
amamos ao redor de ódios requentados, acreditamos a despeito de ceticismos requintados, academicamente elaborados.
Sobrevivemos a sucessivos naufrágios, sem perdermos o amor ao mar.
Nossos sonhos, os melhores deles, são escafandristas. Enfrentam pressões inimagináveis, correntezas halterofilistas, pela certeza de que as grandes profundidades escondem os tesouros mais preciosos.
Afinal, atrás da vida só não vai quem já morreu, mesmo que não saiba.

sábado, 1 de novembro de 2014

outra forma

Se a felicidade virasse rotina,
eu a buscaria de outra forma,
sem os vícios e recorrências daquela.
Pois a vida superlativa é sempre repentina
Naturalmente livre, não admite norma
E quem tentar sufocá-la, que aguente a sequela.