quarta-feira, 30 de abril de 2014

palavras e sorvetes

Palavras são como sorvete. Têm vários sabores, formas e aguçam desejos.
Podem ser servidas com algo bem quente ou in natura, só para brincar com a temperatura externa, tornando relativos o frio e o calor das ruas. Afinal, elas andam sempre nuas. Quem as encontra é que tenta vesti-las com fantasias.
Palavras são uma espécie de dublês de corpo de sentimentos e emoções. Assumem seus lugares nas cenas mais perigosas, sem rede de proteção.
Arriscam-se sem queixas. Palavras são gueixas, sedutoramente imprescindíveis. O grande desafio é saber escolher as melhores, as da estação. Se houver precipitação, virão verdes. Caso a colheita demore demais, estarão excessivamente maduras.

Que

Que aquilo de que a gente gosta não se desgaste
Que a coisa rara que não dá fastio nunca se afaste
Que o frio esteja somente na barriga
Que o final da festa não prossiga
Que seu coração tenha sempre esse calor
Que mesmo me perdendo de todas as palavras
eu ainda consiga dizer amor.

o interior da beleza

A beleza não é magra, loira, com cabelos longos e lisos.
Para entender de verdade a beleza são necessários 
critérios bem mais precisos.
Beleza não está no peso, na cor ou no que adorna a cabeça.
Para ser capaz de perceber a mais profunda beleza, ou você
olha para o mundo de uma forma mais bela ou então...esqueça.

guardas e guardanapos

Para mim, basta de tanto mim, tanto mi-mi-mi. Para mim, é preciso parar de derrubar, para poder arar, prosseguir. E pensar um pouco, antes de seguir às cegas. Adoro fazer cócegas em minhas ideias, inquietá-las, tratá-las como filhas e, por paradoxal que possa parecer, eventualmente deliciar-me com o amor maternal que delas flui. Ambiciono cultivar poucas ambições, mantendo somente aquelas cujos sons produzam carícias essenciais a mim e aos outros (incluídos os que ainda não conheço, os que sequer conhecerei e mesmo os que não me despertam, nem em sonhos). Desejo ser o que sou, sabendo que isso inclui o que fui. Quero, cada vez mais, menos coisas. Gostaria que precisássemos de poucos guardas (e nos sentíssemos seguros) e de muitos guardanapos (só para guardar o que de melhor sentíssemos).

sábado, 5 de abril de 2014

e agora, José?

José Wilker surpreendeu-me, mais uma vez. Anteriormente, com sua sagacidade, o humor inteligente, a ironia finíssima de seus trejeitos,
os comentários enxutos, certeiros, sobre o filme que eu ainda veria (ou deixaria de ver). E aí é que está: esse deixar de ver absoluto, esse luto
estranho, que parece ficção. 
Wilker e morte não se associavam para mim. A chegada dela na vida dele
assemelha-se a um
 telefonema por engano. Dependendo da hora, incomoda, mas a gente desliga e tudo volta ao normal. Que ligação será essa, que não se pode desligar? Uma realidade impositiva e positivamente perturbadora.
Talvez todas elas (as realidades) sejam assim, mas eis uma história que eu gostaria que tivesse outro fim.

Tenho a sensação de que, às vezes, a morte é tão ansiosa, que nem espera a vida acabar.