quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Sinto

Muitos sentem-se excluídos.
Alguns sentam-se na exclusão.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O medo do medo

Que texto inspirador o "Congresso Internacional do Medo" , de Drummond.
Pois bem! Vivemos a era dos medos. Medo das esperas, das peras e maçãs 
envenenadas. Medo da massa. Medo do nada.
Medo da esquerda. Medo de merda. Que está por toda parte, subjugando a arte.
Temos medo do mal. Temos medo do bem sem rótulo.
Trememos diante do conhecido e do desconhecido.
Medo de que nos levem algo. 

Mas onde está o medo de que nos transformemos em algo?
Medo do fim. Medo dos meios. Medo até dos princípios - e se eles mergulharem em precipícios?
Céus! E se desenvolvermos o medo do recesso dos receios?
Nesse louco panorama, não me surpreendo com os sintomas locais.
Mas confesso meu imenso medo das soluções universais!

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Saudade adjetiva

Saudade é mais que um sentimento, é uma poesia recitada todos os dias e, ainda assim, sempre é ouvida com algo diferente. Saudade é isso: um infinito de repente!

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Parece, mas não é

Arbitragem não combina com arbitrariedade
Política é diferente de politicagem
Saci não tem nada a ver com saciedade
Beleza é muito, mas muito mais do que imagem

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Aos encontros!

Mil vivas aos encontros fortes, apesar de tantos desencontros fortuitos.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Pecado e virtude

Nossa, que pessoa impecável! 
A casa dela é perfeita! 
Aquele time é imbatível, todo certinho!
Frases como essas causam-me comichão. Palavras da mesma tribo de impecável, perfeita e certinho provocam-me engulhos.
Ninguém é impecável. Todos pecam. E se não o fizessem, certamente, seriam muitíssimo chatos.
Uma casa perfeita remete-me à ausência de aconchego, naturalidade. Casas gostosas preservam o movimento das pessoas e coisas que a integram.
O time imbatível assim o é até que outro o supere. Além disso, desejo que meu time fuja das fórmulas matemáticas, afaste-se da previsibilidade, nutra-se de improviso e intuição irreverentes.
Pessoas, moradias, grupos sociais serão tão mais interessantes quanto apostarem na flexibilidade, acariciarem as circunstâncias e compreenderem os idiomas dos ventos.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Sem açúcar e com afeto

Nos anos 80, alternativos falavam em alimentos naturais, orgânicos, sem agrotóxicos. Aqueles seres estranhos curtiam meditação, afastavam-se de refrigerantes e de tudo que continha açúcar refinado. E olha que não era fácil rejeitar uma Coca-Cola, um milk-shake, um cachorro-quente, com bastante molho, mas tanto que transbordava da embalagem e pousava na mão da gente.
Somos o que comemos, diziam os bichos-grilos de então.
Mas essa filosofia de vida restringia-se aos macrobióticos, aos hippies, às tribos remotas que ainda acreditavam em paz e amor. Chegou o século 21, com a tecnologia no colo, inclusive a que facilita o acesso às informações, democratizando-as. Com um pouco de paciência e bom senso, consegue-se separar o joio do trigo. O que me intriga é a teimosia de muitos de nós, ao insistirmos nos velhos vícios alimentares, no consumismo alienado, entorpecidos pela propaganda e pela praga da Maria que vai com as outras. Somos o que ingerimos com a boca e com a mente.
Carboidratos secundários (açúcar refinado como grande vedete da companhia), farinhas (inclusive a integral), legumes, verduras e frutas não orgânicas são predadores temíveis. E eles têm amigos fiéis (a eles): o estresse continuado, a ansiedade crônica, o catastrofismo mental, que produz crenças fragilizadoras, capazes de nos desestabilizar e adoecer. O que envelhece não é a coleção de primaveras, mas a degeneração, traduzida em patologias físicas e mentais. Precisamos despertar o quanto antes, rever nossos conceitos de bom, gostoso e saudável. Para quem admira a arte da culinária, há pratos saborosíssimos, que acariciam nossa homeostase. É fácil romper com dependências, com hábitos de décadas? Certamente, não. Mas vale a pena.
A exemplo de tudo nesta vida, mera questão de escolha.
Que vida queremos viver?
Que tal colocarmos a nossa assinatura em nossas existências?

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Uma criança chamada verdade

Fatos e versões. Há quem nutra aversão às versões. Há quem considere fatos meras diversões. A História é escrita, de início, pelos "vencedores", que a ela atribuem seu paladar. É o que eles têm para dar - suas versões. Em versos ou prosas, muitas vezes precisamos suportar os espinhos, até que toquemos nas rosas. Quando o Império Romano usurpou povos, roubando-lhe seus bens, o mesmo mal foi vertido em livros que definiram a barbárie como "expansão do Império Romano". Mais tarde, diante da reação dos invadidos, que buscaram retomar o que lhes fora subtraído violentamente, os mesmos autores denominaram a insubmissão das vítimas como "invasões bárbaras". O golpe militar de 1964, no Brasil, foi apelidado de "revolução", até que a tortura, o silêncio, o medo, o sadismo fossem superados, possibilitando que a História fosse reescrita, com outras letras e outro enfoque. É fato que legislação e justiça nem sempre se encontram na mesma esquina. Tanto assim, que a escravidão estava sob o abrigo da lei, embora fosse (como continua a ser) uma monstruosidade.
Fatos e versões. Um vastíssimo e bravio oceano de emoções e motivações que condimentam atos, elevam inimaginavelmente a temperatura do prato, dificultando por algum tempo a digestão.
Enquanto isso, estarão vigorando a fome e a sede de verdade, esta encantadora criança, cuja paternidade muitos irão disputar.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Veias, vielas e velas

Se as veias do porão ficam salientes,
desvio desse caminho em um caminhão de entrementes.
Se as vielas dos sonhos parecem estreitas,
eu as lembro para que foram feitas.
Se as velas dos sorrisos começam a sucumbir ao vento,
busco chamas mais fortes e, se não as encontrar, invento.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

No telhado do mundo

Quero morar num sítio, às margens de uma metrópole.
Quero deixar a imaginação arisca, arriscar, sem dar mole.
Quero fazer piquenique no telhado do mundo, sem pagar pedágios.
Quero ejacular utopias que fecundem gratíssimos presságios.
Quero erradicar a lama fétida da desigualdade e do preconceito.
Quero viver da melhor maneira possível, ou seja, do meu jeito.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

O sentido da estrada

Acidente na estrada. Sessenta minutos, mais ou menos longos, ao longo da via. Longos demais para o ímpeto de chegar ao destino e angustiantemente breves para quem deseja detalhes do provável desatino. Sirenes, veículos trafegando pelo acostamento, levando suas ansiedades, que sacolejam bem juntinho a medos camuflados.
Alguns lamentam o que mal conseguem ver, outros exultam em constatar que nenhum parente foi vitimado. Mais que isso, celebram a própria sobrevivência, nesta insólita BR3, em que se corre e se morre, em todos os sentidos. Seja como for, a estrada prosseguirá e isso faz todo o sentido.

Quase muito

O bar quase fechado, o ar quase pesado e um homem quase sentado, com seu copo de aguardente. 
O garçom muito cansado, um guardanapo marrom muito amarrotado, com um pedaço de poema dissidente. 
O bar muito pesado, o ar quase fechado, o garçom quase sentado e o homem muito amarrotado aguardando algo ardente.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Como são?

É preciso estar são para perceber como as coisas são.
É preciso estar louco para perceber mais um pouco!

sábado, 3 de setembro de 2016

Guardanapos

Os melhores pedaços da vida ficam guardados em pequenos pedaços de papel, em guardanapos. 
Às vezes, sem datas, atemporais. Outros, molhados por temporais de sóis e luas. A maioria, no entanto, resiste ao tempo, aos lapsos de memória, aos colapsos existenciais. Os guardanapos são frágeis, delicados, fugazes e fiéis ao que neles é tatuado. A vida também!

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Causas perdidas

"A vida é uma causa perdida". Pode ser, mas o que importa é o que ela me causa. Aliás, todas as minhas causas são perdidas: no tempo, nas consequências e inconsequências que elas continham, na incontinência de minhas paixões, que não batem continência
para o que denominam realidade. A vida é uma causa perdida, como boa parte de meus cabelos. Eles se foram, sabe-se lá para onde. Mas ficaram minhas loucuras e minha capacidade de produzir devaneios. Acumulei mais idade que bens, mais saudade que lamentos, mais rugas que rusgas. 
Sabe por que amo o verbo?
Por poder rasgá-lo e nem assim desperdiçá-lo, pois ele permanece inteiro. Assim como eu.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A medalha e a escola

"Sou um cara normal, só filho da Dona Didi, de Pirituba. Vou pegar meu filho na escola. Isso tudo aqui, amanhã, passa."
Serginho, da seleção brasileira de vôlei, medalha de ouro nas Olimpíadas, eleito o melhor jogador da competição, em sua modalidade, disse essas palavras. 
Ou seja, disse tudo! 
Ortega y Gasset já nos advertira de que somos nós e nossas circunstâncias". Como as circunstâncias transitam em nossas
vidas apenas transitoriamente, restamos nós. Como nós transitamos pela vida apenas transitoriamente, resta a vida.
Intransitivamente!

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Ou

Considere a rota mais remota
Acenda a vela esquecida
Considere até o que dizem ser idiota
Desde que rime com a sua vida
Considere voltar atrás
Sem olhar no retrovisor
Faça o que pouca gente faz
Ou seja: amar o amor
Considere apagar as pegadas
Só pelo amor à aventura
Subir pelas paredes é melhor que por escadas
Assim se enfeita a noite mais escura
Considere acariciar o erro
Envie com todas as rasuras o rascunho
A fala mansa não desconsidera o berro
Assine suas melhores loucuras com o próprio punho
Considere a mais estranha pessoa
Como o que está escondido em você
Não é verdade que o tempo voa
Ele nos acompanha e a gente não vê
Considere expressar gratidão
Em meio à maior tempestade
Nos momentos difíceis de solidão
Você não se sentirá a metade
Considere jogar tudo fora
Olhe em volta e perceba o que sobrou
Você sempre teve o que terá agora
Ou isso lhe basta ou...

terça-feira, 5 de julho de 2016

Olimpíadas de verdade

Durante as Olimpíadas (e depois dela) mostrem ao mundo a imagem do Rio de Janeiro sem photoshop. 
A cidade é linda e feia, com todos os seus trastes e contrastes. É preciso conhecer os desvãos, para que o amor não seja em vão. O Rio é a Barra e a Tijuca, também. É a Lagoa, a Rocinha, Gamboa e a Cidade de Deus. Para que endeusar as zonas sul e oeste, se há, sim, beleza no subúrbio, ainda que diferente? A Cidade Maravilhosa estará nas lentes do Planeta e nada recomenda a deturpação de suas realidades. Há esgotos a céu aberto, poluição de rios, lagoas, mares, desigualdades em todos os lugares. Ruas são dormitórios para gente anônima há tanto tempo, que se alimentam de restos e de vento. Buracos multiplicam-se, como a fortuna de gente graúda e tão miúda de espírito. Mesmo assim, a integralidade do Rio deve ser mostrada. O que de macio existe em sua pele, sem a exclusão das cicatrizes, as veias das vielas. Nossas atrizes são naturais - praias, cachoeiras, matas e o Cristo.
Mas, por Ele, aproveitemos a oportunidade tão especial e permitamos "nudes" de nossas contradições. Só assim conseguiremos, um dia, vestir a cidade com nossas mais antigas e rejuvenescidas aspirações. Que a verdade suba ao pódio, deixando na poeira a mentira e o ódio!

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Defeitos perfeitos

"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro."
A frase, de autoria de Clarice Lispector, ajudou-me a compreender um mundo de coisas. A crucialidade dos defeitos, das faltas, das fomes, das fobias, dos sintomas. Precisamos dos nossos sintomas ( e eles de nós).
Eles nos salvam do poço sem fundo, dos fantasmas que assombram o castelo de nossas mentes assombrosas. Inconscientemente, rejeitamos os antídotos, as vacinas que poderiam controlar as patologias que escolhemos. Fugimos da cura, não queremos essa cruz. Preferimos a nossa, cujo peso nos é familiar. Temos bolsos do tamanho de nossas carências e não das nossas posses. São exatamente as dores que fazem poses. De tão narcisistas, elas querem luz, câmera e muita ação. Maldito governo, time sem vergonha, pessoa que não quero ver nunca mais, juiz ladrão, vizinho chato. Tempo que não passa, tempo que passa rápido demais, calor insuportável, tanto quanto o frio. Tudo e nada, juntos e misturados. Saturados um do outro. Mas um é pouco, dois é bom e três é demais. Então, deixa como está. Mas não nos peçam para deixar de reclamar! Amando pelo avesso, buscando o sucesso do insucesso. A mando do superego, que não tolera a saciedade. Maldizendo o desejo, por tanto desejar. Só não tirem da gente os problemas. Esta falta (e somente ela) não conseguiríamos suportar!

A vela e o vento

Chuto de trivela e nem olho para saber se foi gol.
Sou a própria vela e, por não ser o vento, 
sabe-se lá por onde vou...

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Quiçá

E, se não tiver razão,
loucura não me faltará...
Pois entre o sim e o não,
eu me abraço ao quiçá!

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Desejo

Desejo é mais, muito mais que necessidade. 
E desejo não é energia estática nem estatística. 
Desejar é algo que começa por dentro e se espalha pelo entorno da mente e da alma. É possível desejar ardentemente, aos solavancos, mas é ainda mais gostoso quando se acrescenta a calma. E não se iludam: calma não é antônimo de intensidade. A calma qualifica o desejo. Não se trata de ir aos poucos. É a capacidade de ir onde poucos vão. 
O mais é apenas correr e sofrer em vão!

domingo, 24 de abril de 2016

À margem

Um dia, tudo será esquecido. 
O cão abandonado no balcão, o negócio sugado pelo ócio. 
Até a história faz suas escolhas.
Não há papel para todas as personagens. 
Cada vez menos rios e muitas margens.

O tabuleiro da vida

No tabuleiro da vida, o rei e a rainha mandam no jogo. 
Sempre montados em seus ágeis e dóceis cavalos. 
Os bispos percorrem as diagonais dos medos penitenciais, 

limpando o caminho da realeza com o desinfetante da culpa difusa e do perdão condicional. 
Todos os demais são peões, enviados para a guerra dos outros para perder as vidas que não lhes pertencem mais.
É o mal-estar da civilização. Ou o mal é estar na civilização?

sábado, 16 de abril de 2016

Os castelos da cegueira

"Se não houver limite para a idiotice, resta isolar-se e estocar alimentos".
Sim, vivemos tempos bicudos. Simone de Beauvoir demonizada por seleto grupo de não-pensantes, o poder pútrido escapando de mãos inábeis e permissivas para outras habilíssimas na arte de bajular o poder.
O mais interessante é que a burrice é bastante democrática, circula por todas as classes sociais, frequenta ambientes acadêmicos, é aprovada em concursos públicos e até chamada de "excelência".
"A burrice, tanto como categoria cognitiva quanto moral, venceu".
Fora comunistas, fora Simone de Beauvoir, fora diferentes de mim,
que não compreendem minha estupidez, minha incapacidade de, ao menos, desenvolver alguma curiosidade por aquilo que vai um centímetro além do que me disseram que era certo e bom.
Quem rompe com a crosta de autoritarismo é rapidamente rotulado de transgressor, marginal, bandido. Oferecem ao delinquente algumas alternativas de castigo: a masmorra, a fogueira, o tronco ou, o pior de tudo, o desprezo.
"Se a linguagem nos tornou seres políticos, a destruição da linguagem nos tornará o quê?
Somos atropelados por clichês, lugares-comuns, mesmices, repetições enfadonhas e tacanhas do que foi dito e vendido como verdade absoluta no Jornal da tv. Aos poucos, mas com determinação assombrosa, arrancam de nós os pensamentos autênticos, originais, criativos.
Reproduzimos, compartilhamos, copiamos, destituídos, cada vez mais, de senso crítico e autonomia intelectual.
As redes sociais correm o risco (para ser bastante otimista)de serem convertidas em clubinhos de idênticos, álbuns de duplicatas, onde os "amigos" ou seguidores concordam com cada postagem, por mais cretina que seja.
O ódio é ostentado orgulhosamente, em textos pasteurizados. Armas brancas, afiadas, apontadas, invariavelmente, para os hipossuficientes, vulneráveis, ignorados pela avalanche de ambições materiais, os que nada valem, além da produção de mais-valia. A vida foi reduzida à lógica da economia. Será essa a causa de tanta economia de inteligência e sabedoria?
"Precisamos resistir em nome de um diálogo que torne o ódio impotente"
Marcia Tiburi, em seu instigante livro "Como conversar com um fascista", afirma que "não acabaremos com o ódio pregando o amor", "mas agindo em nome de um diálogo que não apenas mostre que o ódio é impotente, mas que o torne impotente".
Estaria aí a pedra fundamental da luta contra a antipolítica.
O fascista odeia muitas coisas, dentre elas, a diferença. O que se afasta de suas siderúrgicas certezas é insuportável, ameaça sua frágil rede de segurança. Então, a revelação de suas gigantescas contradições, pela via do diálogo (ainda que difícil, árduo, quase inviável), torna-se instrumento de resistência, na medida em que coloca diante dos "cegos dos castelos" algo arrebatadoramente novo, que sacode seu temor maior, qual seja, a nudez do pensamento. Afinal, o bom reacionário cuida de proteger suas ideias de toda luz , que precisam permanecer no isolamento obscuro de suas crenças, para sobreviver.
Nas palavras de Eliane Brum: " É isso ou não vai adiantar nem estocar alimentos".

terça-feira, 12 de abril de 2016

Dos outros

A dor não é tanta que prolongue o prazer. Nem o prazer é tamanho que preserve a dor. Ambos misturam-se e assim ficarão, por mais que insistamos em deixá-los em frascos separados. A inalcançável longevidade da satisfação é tão inquestionável quanto insuportável. Queremos (sempre) o que não temos e, se o tivermos, o querer desaparecerá, num piscar de olhos.
Por isso, somos pródigos e ágeis em soluções para todos os problemas (externos, dos outros). Pois aqueles que dizem respeito somente às nossas inquietas e frágeis existências... bem...desses, os outros cuidarão!

domingo, 10 de abril de 2016

Haras do tempo

Pressa para que? Eu não nasci ontem, nem morri.
Quando tiro o pé do acelerador, desacelero a dor da ansiedade
e acabo chegando antes (não de quem quer que seja, antes de
me estressar, de arrancar os poucos cabelos que me restam).
Ganhe tempo! Saboreie o caminho, ache graça de coisas bobas,
sorria para o azul do céu, para o verde das árvores,
para o amarelo do sorriso de alguém, que talvez precise de outras cores, também.
Pressa para que? Eu já vivi ontem e para amanhã ainda não nasci.
Posso mudar de ideia, de aldeia. Posso virar índio, só não quero
é ser cacique. Meu cacife basta para dizer basta ao que me arrasta por aí. Meus dias não têm horas, mas haras, em que monto e cavalgo no tempo e não ele em mim.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Silêncio vertical

Se você reparar, há algo silencioso no meio do alarido. Mais além, mais para lá, depois dos latidos. Mas é um silêncio ouvido somente por alguns ouvidos. Trata-se de uma ausência de ruídos, uma existência sutilmente vertical. Algo singular, que nem se considera importante. Apenas a metade de um instante. Se quiser, é só provar!

quinta-feira, 10 de março de 2016

No mesmo lugar

Guardamos ódios e amores no mesmo lugar.
É possível confundi-los, na hora de pegar.

O barulho das bruxas

Quanto barulho lá fora!
Meus silêncios ficam encolhidos. Quase não os vejo.
Eles que sempre foram tão discretos. Há tempos, evitam as multidões. Quando palavras acotovelam-se, perdem singularidade.
Quanto barulho lá fora!
Não vejo anjos nem demônios. Então, talvez esteja no céu.
E não deve ser de agora. Cheiro de coisas queimando, sem fumaça. A fogueira foi cuidadosamente preparada. À espera das bruxas. Que sempre esperaram pelo fogo. A única possibilidade de salvação.

Palavras perdidas

Quantas serão as vítimas de palavras perdidas?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Mastros e astros

Transatlântico ou canoa? 
Alguns passageiros acreditam que navegam em navios colossais e, por isso, pouco ou nada temem o mar. Outros (a maioria) estão certos de estar a bordo de pequenas e frágeis canoas e, então, suas noites são repletas de pesadelos de naufrágios. 
Ledo engano de todos, pois o oceano e a embarcação são os mesmos. 
Tanto para os que se seguram nos mastros quanto para os que o fazem nos astros. A viagem aponta para uma uma só direção. Por mais que ventos soprem mais aqui do que acolá, a única diferença é a velocidade do transporte.
Pois desembarcaremos num único porto. Vale lembrar: além das tempestades e turbulências, há paisagens encantadoras no caminho. E tão deslumbrantes sensações que a gente até se esquece da chegada.

O bote

A vida sempre dá o bote.
Só que muitos interpretam mal e correm dela.
O que acontece?
Afogam-se e reclamam da sorte!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Já, mais!

Tanto faz?
Jamais.
Já, mais!
Faça tanto.
Faça tantra.
Faça uma, duas, três.
Faça dez.
Não disfarça.
Faça tudo de uma vez.
Depois até desfaça.
Mas sem desfaçatez.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Etcetera

Viagens, viagens!
Como faz bem viajar, pelo céu, pela terra, pelo mar.
Mas é impossível viajar para fora.
Todas as viagens são por e para dentro.
Lugares, pessoas, músicas, filmes, textos, esculturas, pinturas, teatro...seja lá o que e como for, o certo é que chegaremos sempre ao mesmo lugar: em nós. 
Nossos labirintos indomavelmente secretos, os diletos dialetos de nossos desejos intraduzíveis, que infinitamente tentaremos decifrar.
Viagens, viagens!
Preferencialmente, sem roteiros, sem guias, ignorando mapas, setas...etcetera!

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

homens e mulheres

Homens gostam de imagens. 
Mulheres gostam de imaginar.
Homens fantasiam o ménage.
Mulheres apreciam homenagem.
Homens detestam perder.
Mulheres preferem vencer.
Homens embriagam-se com vantagem.
Mulheres embriagam-se com vintage.
Homens desejam mulheres.
Mulheres desejam.

domingo, 17 de janeiro de 2016

A pós

Somos muito estranhos. Afinal, não nos estranhamos. Nós nos entranhamos nos nós e nos desatamos. Nós desacatamos a banalidade e seus pós. É assim que nos pós-graduamos em nós!

Ter para perder

O melhor de ter muito fôlego é perdê-lo!

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A mala

Quanto menos percebido é, mais alto o sujeito fala.
Transtornado com tanto espaço vazio, ele acaba viajando dentro da mala.

domingo, 10 de janeiro de 2016

A musicalidade do olhar

Olhar é bom, mas não é tudo. A grande diferença, o toque de classe e o mergulho certeiro estão na capacidade, pouco assídua na estatística, de olhar...tudo. Ou melhor, de olhar melhor. Ver o que não está à vista, compreender o que jamais foi dito, decifrar o que sequer foi codificado. Olhar é, apenas, o princípio. Enxergar é outra conversa, dessas que acontecem em silêncio. Pois as palavras foram, sim, convidadas, mas para outro evento. Quando a obra estiver suada, o suor estiver pronto. Quando o cansaço estiver tão cansado que qualquer esforço seria uma afronta. O fantástico encontro entre a magia e a realidade
dá-se na ausência dos sentidos, um milésimo de segundo antes que eles irrompam na cena. Como obstetras e não bebês. Os sentidos são instrumentos, os sentimentos são a música.

Com a boca no mundo

Em boca fechada não entra mosca.
Será? Creio que entram algumas, sim. Mas só aquelas que engolem sapos, as que supõem segurar as ondas para depois
perceber que elas arrebentam, mais fortes, em suas costas.
Em bocas fechadas entram, portanto, esses insetos calados, além de toneladas de angústias e desejos reprimidos, que se acotovelam debaixo da língua, temendo os dentes.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Nós e os nós

Ah! Como é difícil mudar o mundo. Pois o mundo é grande, há tanta gente nele. E nem conheço todo o mundo. E o pouco que vi já me fez estremecer. Mas caramba, as árvores também estremecem com o vento, a própria terra, com os terremotos, o céu, com os trovões. Por que eu não faria o mesmo, com meus medos, ventos, terremotos e trovões?
Mas como é difícil mudar o mundo. Se a seta de um carro acende, o outro acelera, ultrapassa, rouba-lhe a passagem. Talvez eu já tenha feito isso,talvez ainda faça. Mas disfarço. Quanta desfaçatez! Quero o melhor para a minha rua, meu bairro, minha cidade, meu clube de futebol. Mas se as outras ruas, bairros, cidades, clubes, países ficarem entregues aos seus problemas e penúrias, o que será do mundo, o mesmo que quero tanto mudar?
Meu discurso ético equilibra-se na ponta de minha língua, atualiza-se com as últimas informações, que caço implacavelmente nas redes sociais. Socialmente, sou um amor de pessoa. Intimamente, a gente mente. Ora, mas são mentirinhas bobas, bobagens que não produzem nenhum estrago. É, parece que a ética que nos habita não é parecida com a das outras criaturas, cujas mentiras, deslizes, dissimulações, a gente não atura. Mentira não é mensurável pelo tamanho, altura, tom de voz ou circunstância em que se produz. Mentira é mentira e ponto final, ou melhor, ponto parágrafo. Mentimos para dentro quando proclamamos arrogantemente o erro alheio. O meio ambiente, disseram, começa no meio da gente. Ética, da boca para fora, é titica e nada mais.
É realmente difícil mudar o mundo. Mas alguma coisa incrível, inusitada, acontecerá caso compreendamos essa mudança caso a caso. Ou seja, respeitando setas, árvores e tudo que é tão diferente ou, quem sabe, tão semelhante a cada um de nós.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Raro

Primeiro dia do primeiro mês de ano bissexto. Nada melhor para tecer fantasias. O inaugural associado ao insólito são ingredientes de aroma e sabor agradáveis demais. Provemos desse néctar sem moderação, pois a oferta é por tempo limitado. 
Ilimitado é o desejo de desejar. Raridade é aquilo de que se pode dizer: de novo e jamais novamente.
Saúde!