domingo, 28 de dezembro de 2014

sóis a sós

Dia desses ouvi alguém falando sobre a possibilidade de fundar a "associação nacional dos bem desacompanhados". Com o seguinte objeto social: disseminar a consciência de que "antes Sol do que mal acompanhado". Haveria um slogan: "vamos ser sóis juntos".
Afinal, qual a glória de ser sós juntos?
Com isso, cessariam as frustrações compartilhadas, as trocas de farpas, a transição homeopática da sensação de amor para a de horror.
Ao invés de farpas, harpas representadas pela redescoberta de aptidões, o despertar de tesões há tanto tempo atrofiados, a valorização do estar consigo. Vamos ver e desejar o Sol e deixar que ele nos veja e nos deseje.
Seguir os próprios instintos é salutar. Mas deixar de lutar pelo que se acredita e simplesmente "seguir" alguém é cegar a individualidade, é deixar de ser alguém.
Livres e felizes morrem. Os aprisionados e infelizes também.
Os felizmente livres vivem. Quanto aos viciosamente infelizes...eles sabem bem.

sábado, 27 de dezembro de 2014

marimbondos e sapos

Pensamentos e palavras, sobretudo, devem ter lastro em sentimentos. E o que dirige nossas vidas são valores, mas desses que não cabem no bolso nem na carteira. Que ninguém nos ouça, mas gosto mesmo é de sentimentos despudorados, incapazes de usar sobretudo. Preferem enfrentar o frio e persuadi-lo a experimentar seu calor.
Que 2015 não seja apenas o sucessor de 2014. Que não adote temporariamente o sobrenome "novo" por modismo ou tradição. Desejo que ele traga ventos decididos a espanar o que precisa ser espanado.
Melhor cuspir marimbondo que engolir sapo. E temos nos fartado de batráquios bastante indigestos. É hora de dizer a que viemos, por saber que temos missões a cumprir. Para onde iremos? Como disse o poeta, onde houver Sol. Onde não houver roletas (russas ou nacionais), onde o ingresso for como as melhores coisas desta vida, sem preço. Onde todos tenham as mesmas oportunidades. Onde sonhar não pareça babaquice.
Onde ser o que se é não conduza à exclusão. Onde princípios como verdade, ética, respeito à Natureza, gentileza e compaixão libertem-se do dicionário e sejam cultivados dentro e fora dos nossos corações.

desvendar

O que é mais precioso não se compra nem se vende
Para enxergar a beleza, que é de graça, apenas não se vende
Tudo que tem preço pode ser trocado
O que realmente é nosso só pode ser sentido, jamais tocado

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Um em tantos

A vida está grávida de 2015. Que o parto deixe por perto muita imaginação e uma quase interminável disposição para lutar dentro 
e fora do tatame, por tudo aquilo que se ame.
E aqueles que não acreditam em nada? Ora, não acredito nos incrédulos.
Nada é tudo para eles. Para mim, tudo é quase nada: apenas a beira de cada coisa, a besteira preciosa que derrama gargalhadas pelo caminho, o pó da estrada, que não poda a entrada em um novíssimo destino.
No mais, puríssimo desatino. Por isso, não fiquemos em apuros. Basta preencher os furos que pudermos e se nos dermos as mãos e os corações, ouviremos os melhores sons.
Podemos ser sãos, não podemos ser santos. Somos um, apesar de sermos tantos!

off/on

Quero a paz que não decorra da rendição da utopia
Quero a sinceridade que não agrida a gentileza
Quero que o tempo me desfolhe e renove, como faz a ventania
Quero crescer com muitas dúvidas, essa é minha única certeza
Quero colocar o dedo na ferida, em busca da cura
Quero desligar o celular, para recuperar a simplicidade
Quero o amor iluminando minha face mais escura
Quero poder andar sem medo pelas ruas da cidade
Quero transcender o off/on
Quero escrever palavras incandescentes
Quero entender o que é dito quando se cala todo som
Quero provar a existência de tantas lembranças ausentes

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Natal 2014

Felicíssimo Natal a todos. Mas todos mesmo, pouco importando serem ou não serem cristãos. Pois em meu coração Natal é mais que a celebração do nascimento de Jesus. Sinto essa data como uma oportunidade muito especial de pensar em valores que tenho na mais alta conta: humildade, generosidade, altruísmo, companheirismo. Virtudes que continuo tentando, a duras penas, desenvolver em mim. Somos todos alvejados pelo marketing da competição, da ganância, da soberba, do individualismo exacerbado. Não é difícil ceder a algumas das inúmeras e cotidianas tentações da sociedade em que estamos inseridos.Que supervaloriza o espetáculo, que espetaculariza as dores alheias, que incentiva a idolatria a super pessoas, sem esclarecer que elas só existem na imaginação de quem compra essa ideia maluca.
Penso naqueles que não ganharão presentes, nos que não têm teto, nos que desconhecem o tato do afeto, em tantos sonhos deixados ao relento.
Gostaria que pudessem (tomara que possam) sentir o calor da lembrança e o abraço que lhes envio, como talvez quando crianças tenham enviado cartas a Papai Noel que, por descuido ou absoluta impossibilidade, deixou de respondê-las.
Feliz Natal, amigos e amigas que já conheci. Feliz Natal à infinitude de seres que jamais conhecerei, mas que estranhamente intuo que fui, sou ou ainda serei.

cajus, bambus e sonhos

Havia um cajueiro pertinho da minha casa. Os cajus mais vistosos e suculentos estavam sempre nos galhos mais altos. Nada que um bambu não pudesse resolver.
Havia um sonho pertinho da minha casa. A exemplo dos cajus, também estava lá em cima, quase tocando nas nuvens, quase roçando as estrelas.
Eu queria tocar nas nuvens, roçar as estrelas e realizar aquele sonho.
Nenhum bambu seria tão grande, a ponto de trazer o sonho aos meus braços. 
Mas restava a imaginação. E com ela eu conseguia ver o que não estava lá. Vendo, eu sentia. Sentindo, havia.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

memória seletiva

Minha memória é esquisita. Ela só me cutuca para reavivar as coisas boas. Gols marcados por mim ou por outros, que ainda deixam estufada a rede existencial, em que me deito, até que os sonhos me adormeçam e depois eu acorde sorrindo. Ela empina palavras outrora afiadas, no intuito de torná-las aliadas de meus voos fortuitos. Soltas como o vento, a chuva e a imaginação, elas saem por aí, brincando com os fantasmas, até que eles deixem de se assustar com elas.
Minha memória é seletiva. Ela filtra o que nela se infiltra e só permite que passe o que não congestiona a vida. Ela não curte formalidades e prefere esquecer as idades das tolices.
Minha memória se doa, para que em mim não doa o que sabiamente ela perdoa.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

entrelinhas

A palavra do século é insatisfação. Os indivíduos estão insatisfeitos com o Estado e com o estado de coisas que torna coisas mais importantes que indivíduos. Insatisfação com o outro, que parece não enxergar os outros, que somos nós. Insatisfação consigo mesmo, por só enxergar os predicados dos outros e assim sentir-se imensamente prejudicado.
Há crescente rejeição ao modelo de vida que rejeita indecentemente o que se afasta um milímetro dos modelos de perfeição, construídos à feição dos interesses que não nos interessam. Estamos aturdidos com a privatização do que é público e com a publicização do que é privado. Boa parte de nosso tempo é sugado por telinhas. O que sentimos fica sitiado entrelinhas.
What's up? O whatsapp substituiu o abraço?

domingo, 14 de dezembro de 2014

superfície abissal

Não me poupo, então, não me poupem. Quero suar, até que o suor
chegue à fadiga e peça penico. Mas que seja somente o bom suar.
Por isso, bon soir, amigos e amigas de tudo que é incandescente,
o que pulsa forte nos pulsos da gente!
Os ociosos colocam à venda seu tempo. Os ansiosos colocam suas vendas e compram esse tempo, sem saber se o beberão como remédio ou se todo o seu tédio virará passatempo.
Eu pego carona nas asas de um passarinho e me entrego ao vento
lento, sem pressa alguma de que ele pouse no ninho. Amanheci saboreando distâncias incalculadas. Dunas de imprevisão deixando em ruínas todas as rotinas e promovendo um alvoroço na calmaria dos urubus. Carícias inestéticas na areia, que arranhava a sola dos pés,
transformadas em molas. O corpo e a alma em festa, revelando toda a anarquia de sua alegria, em mil e tantos decibéis. E quanta luxúria no luxo das ondas que lambiam meus passos e abraçavam meu olhar, qual anacondas.
Venham a mim as escadas, com seus degraus e graus de inclinação, por mais que hoje eu esteja inclinado às planícies.
Pois o que mais quero é deitar e rolar na superfície abissal do mel e do sal que há em ti, meu amor.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

tobogã

No labirinto hedonista em que nos encontramos, é proibido ficar triste.
Mas também não é permitido sentir-se satisfeito por muito tempo. Tristeza passou a ter por sinônimo depressão. Satisfação tem a conotação de zona de conforto, estagnação, acomodação. Na ausência
de alegria, pílula. Constância de alegria? Uma pílula!!
E lá vamos nós passeando no tobogã existencial, vestidos de vertigens
e miragens. Nas prateleiras, bem à mostra, amostras de corpos perfeitos,
personalidades perfeitas, comportamentos perfeitos. É imperioso ostentar
corpos, mentes e perfis com pouco teor de gordura. Curiosa e paradoxalmente, é preciso ocupar menos espaço físico para conquistar
mais espaço social.
Conectados dia e noite, somos fustigados por uma solidão tão incorpórea
quanto as amizades virtuais. Adotamos progressivamente contornos mais virtuais que virtuosos. Como surfistas sem pranchas, vamos nas ondas,
entramos nos tubos, mas morremos de medo de afogar-nos na arrebentação. Só treinamos nadar a favor das correntezas, em direção
às "científicas" certezas que são despejadas sobre nós como esgotos nos
rios e oceanos. E assim esgotados pela perversidade de tantas metas,
aturdidos pelas direções tão opostas de tantas setas, precisamos de um
tempo só para nós. Uau, como é gostoso soltar os nós apertados e redescobrir prazeres antigos, como andar com os pés no chão! E sem renunciar à delícia de voar com as próprias asas.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

linhas tortas

Poeta e poesia não se confundem
Mas é na procura que eles se fundem
A poesia busca a cumplicidade do leitor
O poeta é por ela procurado e lhe agradece o favor
Poesia e poeta amam a verdade
Mas essa senhora nem sempre é desejada
Alguns preferem a satisfação de sua vontade
E beijam sua mão, para que lhes venha de mão beijada
Intenções se perdem no telefone sem fio
O certo pode ser escrito por linhas tortas
Convencer a si mesmo é o maior desafio
Poesia e verdade jamais serão letras mortas.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

leoas e mosquitos

Quantas belezas feias
Leoas quando caem em teias
viram mosquitos
Quantos contornos esquisitos
Tudo tão igual
Quem se quer bem não se faz mal
Quero ver a luz
É ela que me seduz
Futuro que olha pra nuca
funde a minha cuca
Não afundemos na mesmice
Fazer careta pro espelho é caretice
A vida ensina uma verdade profunda
A cara da felicidade não fica na bunda

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

não é hora de partir

Eterna juventude, corpo perfeito? Cai nessa, não. Antes do corpo, mutila-se a mente, submetida à pressão cruel dos paradigmas eleitos e reeleitos
pela gulosa mídia. A comédia humana ganha contornos de tragédia, à medida em que a felicidade é determinada pelas medidas. A balança parece pender para os que dependem dela para sorrir. Sorry! O sorriso verdadeiro está na periferia dos que se arrependem do que são. E, cá pra nós, estar são é o que realmente importa. Qual a necessidade de importar padrões cruéis, que despencam ditatorialmente sobre a autoestima da gente? Para que aceitar que não nos aceitem, a menos que sigamos a receita dos faquires?
A beleza não está nos olhos de quem a vê, mas nos olhos que têm a ver,
concorda?
Cultivar hábitos saudáveis, praticar exercícios, dar umas corridinhas ou caminhadas, evitar comidas industrializadas e só fazer muito amor, que amor não faz mal, isso os médicos e qualquer pessoa antenada faz ou deseja fazer. Mas se desfazer, submetendo-se à escravidão de critérios absurdos é tornar-se surdo ao que diz o próprio coração.
É tempo, isto sim, de almas saradas e não de almas paradas. Como disse Zeca Baleiro: "eu disse calma alma minha, calminha, ainda não é hora de partir..."

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

saudade sem pressa

A saudade intransitiva
Que em transes se expressa
Atemporal, permissiva
Quase distraída, uma saudade sem pressa