domingo, 31 de julho de 2011

meu lugar

Um vento que nem senti bateu em mim. Parece que algo voou
ou sou eu que não sei para onde vou. Acho que ele levou para
longe certezas obscenas. Obs.: todas as certezas são obscenas!
As frases não terminam, os pensamentos não germinam. Há um
vácuo esquisito, que não consigo nominar. Em mim, somente eu,
um breu sereno, um abismo pequeno, feito apenas para que me
abismasse com o desconhecido. Tateio no passado, não há nada
a alcançar. Tento um salto e me frustro, não é o vazio o que busco,
mas a busca sem promessas. Quem sabe numa dessas reencontro
o meu lugar.

sábado, 30 de julho de 2011

a fresta

Por que temos de estabelecer prioridades? É muita urgência, incontinência,
tanta batida de continência para a utilidade. O ameno faz tão bem, útil e
fútil podem ser coincidentes, dissidente é a imaginação.
Nosso tempo, o tempo todo, é loteado, retalhado em muitas partes. E a
arte, apenas pormenor? Por menor que seja a disponibilidade, é possível ficar
à vontade, libertar-se do que aperta, descobrir uma fresta aberta, povoar a
praia deserta, só para sentir como é. Já percebeu que maravilha é receber
massagem nos pés? Parece que há nuvens no chão, trafega na boca muito
menos não e a beleza acontece naturalmente. Quando a gente descansa a mente,
trocando idéia por emoção, concedendo a si mesmo perdão, repentina é a paz
que anuncia que tudo que se sonhou um dia está ao alcance da mão.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

bom dia!!

Acordei junto com a manhã. Acreditando que nem era o começo,
mas o avesso da história conhecida, aliás, não seria nem um pouco
parecida com tudo aquilo que já vira começar.
De mãos dadas, atravessamos a rua, perambulamos...
Ah! como é gostoso perambular! Liberdade aos pés, aos pensamentos
sem bulas, só para burlar o tédio, a cretinice da culpa, da desculpa sem
motivo para desculpar.
E olha que não estava só, mas a manhã estava tão despreocupada, que
não se ocupava de ao meu lado caminhar. Sempre refutamos caminhadas
simbióticas e nenhuma ilusão de ótica nos faria recuar.
Inexistia itinerário. E pasmem, naquele reino, o erário era sagrado, bem
do agrado de toda a comunidade, que se chamava pelos nomes. E as
respostas eram postas sobre a mesa, em que o pão se dividia e sequer
havia um dia em que faltasse sobremesa.
A manhã e o passeio já estavam quase acabando, quando um bando de
sorrisos atravessou à nossa frente...De repente, a manhã beijou o meu
sorriso e me disse: amanhã...será bem melhor!


segunda-feira, 25 de julho de 2011

letras matinais

Amar é ceder, é se dar. É entrega, mas não na modalidade delivery,
pois amor se propaga no ar, desde a respiração compassada do feto até
a descompassada do afeto.
É a sanidade do cuidado e a insanidade da transferência avassaladora,
que atribui a alguém poderes mais que humanos. Mesmo que ocorram
enganos!
É não trocar nuvem por sanduíche, é quando o melhor fetiche é apenas
se aconchegar. É o luxo extraordinário da simplicidade, é colher flores
no deserto, é estar certo de que não há nenhuma outra certeza, além
da estranha incerteza de amar.
É preferir o plural, na singularidade de instantes que jamais se tornam
distantes.
É transe, muito além da transa, que somente alcança quem levitar.
É gargalhada no meio da estrada, é não pregar o sono e empregar o
tempo para não fazer mais nada, além de amar.
É o frio na espinha adolescente, o pensamento indecente, que só sente
quem se permitiu amar. Só de pensar naquele rosto, naquele gosto
e não há desgosto que justifique desistir do amor.
É compreender que não há final, mas início de semana, todo dia, toda
hora, é ir embora sabendo que voltará, é dar a volta e vir de novo, é
sair do ovo.
Por estranho que pareça, tudo fica muito estranho, caso o amor desapareça.
Amar é valorizar o minimalista, sem se animalizar. É ser o avalista do que
não se pode avaliar. É ser bêbado e equilibrista, só para despencar na
rede que protege e naquela sede herege, que só faz aumentar.
E não precisa ir longe para encontrar a fonte, que está defronte ao espelho.

domingo, 24 de julho de 2011

Ame Winehouse

Tão pouca estrada e tantas as pegadas. Mas soltas eram as esperanças e, de tão livres,
voaram de seu coração para algum lugar incerto, como seu olhar errante. Cabelo e sorriso
presos, o peito arfante, infante ainda, distante do caminho, que rascunhava a cada dia,
adiando a decisão de parar, cada vez mais precisando de ar. Embriagou a consciência,
entorpeceu o olhar da verdade, que temia e que ia, pouco a pouco, fechando,
como as cortinas à sua frente.
Tropeçou na escuridão que desorientava os passos, abriu os braços como se fossem
asas de um pássaro que não conseguia mais voar, espalhou lamentos com tanta melodia,
abraçada à melancolia que se esquecia de passar.
Esqueceu a ordem das palavras, cedeu à desordem da lembrança, que acenava para uma
criança que não sabia brincar. E faltaram melhores brinquedos que aqueles que lhes deram,
que partiram sua coragem em mil pedaços. Muito aço e tão rara leveza que porventura a
fizesse voar.
Ela, que queria roçar nas nuvens e aquele ambiente enevoado, que não a deixava enxergar.
Por medo da rua nua, permitiu que a casa, só sua, a vestisse finalmente de paz. Mas a paz
alcançada, tão absurda, tocou seu corpo e sua alma cansada dessa gente surda,
que não a soube escutar.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

o discurso silencioso

Quero te fazer sorrir, até perder o ar
Fazendo careta, rabiscando teu corpo, sem arranhar
Procurar-te em meus sonhos e acordado te achar 
Trocar palavras por beijos, recriar milhões de desejos e em silêncio te amar


quinta-feira, 21 de julho de 2011

im(possibilidade)

Parte de mim é impermanência
E outra é metade da saudade
Um pedaço de mim é inocência
E o outro zomba da maldade

Fração do meu ser é oceano
Mas há em mim o continente
Habita-me o mais que humano
E, ao seu lado, um deus veemente

Parte de mim o que não fui
Permanece comigo o indivisível
À espera do que não há, mas a alma intui
Sem querer nada além do quase impossível



terça-feira, 19 de julho de 2011

balé urbano

A folha de papel rodopia sobre a calçada.
Alça vôos rasantes, lambe o meio fio, brinca com as
folhas que as árvores rejeitam, provoca os passos
apressados de quem desconhece a liberdade, desafia
o perigo de estar ao relento, mistura-se à paisagem
desapercebida - o rico sorriso do mendigo e a
indiferença indigente de quem não tem nada a pedir ou
oferecer.
A folha de papel atravessa a rua, entre buzinas e freios
histéricos.
O que ela contém: palavras desencontradas ou o silêncio
descartado por alguém?
Uma doce receita, uma amarga despedida, alguma frase
feita ou somente uma folha perdida?

segunda-feira, 18 de julho de 2011

precisa imprecisão

Seus defeitos foram feitos sob medida,
eles revelam minha face escondida e
permitem que eu me encontre em você.
Essa imperfeição à feição do que me falta
é a beleza que aos olhos não salta e nem
todo mundo vê.

terça-feira, 12 de julho de 2011

a nossa canção

A vela arde na madrugada
Lambe as sombras acesas
Ao vê-la, nunca é tarde para nada
E as vertigens, impossível contê-las

A brisa confunde a imagem
Meus olhos e os teus tremulam inquietos
Nossos sentidos não sabem o que fazem
Rodeamos as luzes, qual insetos

Um pássaro retalhando o ar
A panela chiando de fome
Se tu sabes, para que perguntar?
Se eu soubesse, diria teu nome

Quem treme mais: a cortina ou eu?
As horas se espalham pela pele, sem noção
Ficou em mim o jeito que é teu
Escorrendo no rosto o gosto da nossa canção

fortuito que sou

Não me interprete mal
Quantas luas estiveram lá no céu
Procurei por elas até no jornal
Juro que eu preferia uma lua de mel

Pela manhã, a neblina levanta
Da janela, não vejo seu sorriso
Como entender essa falta tanta
Mas sei que prosseguir é preciso

Você mal me interpretou
As nuvens comeram as luas
E afinal, quem eu sou?
Eu fui as canções que eram suas

Levanta antes das manhãs
As janelas sorriem, sem me ver
Faltou entender as coisas vãs
Preciso me seguir até você

sábado, 9 de julho de 2011

pedaços inteiros

Quero agora somente julho, inverno, simplesmente o que está.
Nada guardado, nada aguardado, desacordar a vontade de antecipar
qualquer coisa. Não há um tempo preciso, nem preciso de tempo
para ser espontâneo. Cobrir-me de sereno, quando a noite me descobrir.
Tocar na pele da manhã e dela saber despedir-me, sem pedir que permaneça.
Deixar que a tarde aconteça, para que a vida teça suas pequenas eternidades.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

escarpas

Vou para as montanhas!
Ar que quase dói, de tanto ar
Vou subir tão alto, que é quase voar
Asas aos pensamentos,
se acaso vierem comigo
Agasalhos para as emoções,
embora meu peito seja um bom abrigo
Vou para as montanhas!
Seguir as trilhas do talvez
Tocar nas nuvens, como alguém fez
A todos os silêncios fazer companhia
Levar-me aonde eu não mais havia

terça-feira, 5 de julho de 2011

lado alado

Se a gente pudesse ver o outro lado...
O que não se mostra, talvez nem se conheça,
mas existe, ainda que em mistério. Sério!
Como seria conhecer o que jamais pude
saber? A lágrima no escuro, a jura de amor
pronunciada a sós, o desejo mais atroz.
Se a gente pudesse ver o outro lado...
Uma caixinha guardada a sete chaves, com
tudo aquilo que só tu sabes. A foto recortada,
o guardanapo escrito, a poesia desbotada, um
silêncio aflito.
Se a gente pudesse ver o outro lado...
perceberia o que só se revelou depois.
Mas quando estavas ao meu lado,
o que mais havia, além de nós dois?



segunda-feira, 4 de julho de 2011

um tema qualquer

Pediram-me que escrevesse sobre um tema qualquer.
A idéia me remete àqueles olhares que escapam dos
nossos olhos, sem que percebamos. É quando vemos
o que não está diante de nós, mas dentro, guardado
num daqueles compartimentos de acesso restrito.
Ou então a parte final de um sonho, que salta do
mágico universo do inconsciente para o primeiro
instante do despertar. Por alguns segundos, fica
a dúvida: eu estava sonhando? E se não estivesse?
Como iríamos lidar com desejos subterrâneos, que
o sonho realiza em fórmula cifrada, para não ceifar
a possibilidade censurada pela vigília?
O tema qualquer é amplo demais, é a universalidade,
é tanto oxigênio que não se consegue respirar, é mar
revolto, é o mundo envolto não somente em mil, mas
em todas as cogitações.
Ou seja, confesso a impossibilidade de abordar o
qualquer. E ofereço a pergunta: qual quer?



soli(dons)

"...a solidão é fera, a solidão devora, é amiga das horas, prima-irmã do tempo..."
Alceu, ou melhor, à sua consideração uma exposição de espécies do gênero solidão:
- a compartilhada, em que alguém testemunha, silenciosamente, uma lacuna que não
   entende e não preenche;
- a eleita, numa ambiência de retiro espiritual, pausa para balanço, em que nos dispomos
   a ouvir pura e simplesmente nosso próprio silêncio;
- a eventual, no melhor estilo "pit stop", para reabastecer ou simplesmente calibrar as
   idéias, em curto espaço de tempo;
- a propriamente dita, em que toda a impropriedade das ausências lateja mas,
   simultaneamente,  provoca a falta escancarada que, ao não tocar mais nada,
   convoca desejos que transbordam pelos poros, libertando-nos dos porões
   da dita solidão.


domingo, 3 de julho de 2011

ciclos

A vida anda tão rápido que a lágrima de tristeza
é aproveitada pela alegria, antes de cair.
Ladeiras decidem quando sobem e quando descem,
num ritmo bipolar. E lá vamos nós, surpreendidos
pelos instantes, que morrem de rir do nosso despreparo.
Quem correm são os carros ou os motoristas, quem
representa longe dos palcos melhor ou pior que os artistas?
Um grito de gol...será de quem? Será que sorrio ou é melhor
esperar? E de esperas é feita a existência: o sinal fechado, a
porta aberta, a fila que não anda, o relógio que não para...
A angústia que chega sempre atrasada, que a gente tenta afogar
no chuveiro, incendiar com o isqueiro, hipnotizar com o desejo.
E a esperança, essa anciã tão elegante, que insiste em articular
ciladas, para desorganizar o tédio e bagunçar o coreto da
renúncia, pois a melhor pronúncia para ela é o que está dentro
e não fora da janela.




sexta-feira, 1 de julho de 2011

causa e efeito

Por sermos ímpares, incomodamos os pares
Por não alugarmos amizades, não vamos a todos os lugares
Por sobra de tempo, emprestamos paciência
Por tua causa, resisti à resistência


exiguidade

Cresceste tanto em meu querer, que já não cabes em mim.
Não há mais espaço e para que fiques sou eu quem sai mas,
ao sair, eu não me acho.
Tuas palavras soam em minha boca até que ela seque e a vontade
fique rouca.
Esse silêncio que inexiste em meu caminho é o que persigo no
inesperado que adivinho.