sábado, 31 de agosto de 2013

é claro

É claro que existe a eternidade. 
Mas ela vem em fascículos, em capítulos de diversas temporadas.
O que não significa que capitule. 
Tampouco pode ser capturada. 
Há eternidades muito apressadas, assanhadas.

Outras são mais light, mais silenciosas, refutam o marketing.
Há eternidades políticas, que fazem campanha, se amarram no poder.
Eternidades eloquentes, que chamam a atenção, enchem os ambientes.
Eternidades quentes, que surgem no verão e nadam nas enchentes.
Eternidades inteiras, mas com sensibilidade ecológica, que amam o meio ambiente.
Eternidades rasgadas, como páginas de diários.
Eternidades doces, como manhãs de sábado.
Eternidades distraídas, tardias.
E eternidades que nascem todos os dias.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

numa varanda

Quero morar numa varanda
De frente para o mundo, mas não todo, só a parte da receita que não desanda
Quero morar numa varanda
Onde as cartas do vento possam ser entregues e lidas, sem afobação
Quero morar numa varanda
Em que haja uma cadeira, que não seja de balanço, mas de meditação
Quero morar numa varanda
Com as melhores lembranças brincando à minha volta
Quero morar numa varanda
Um lugar onde as emoções cheguem a qualquer hora, sem escolta
Quero morar numa varanda
Às margens de alguma árvore muito frondosa
Quero morar numa varanda
O canteiro num cantinho onde eu plante os meus versos todo prosa
Quero morar numa varanda
Do tamanho ideal, para caber todo o meu amor
Quero morar numa varanda
Com o coração e os pés descalços e se houver um tapete que seja voador.

afeto

Afeto para quem tem afeto
Afeto para quem nunca teve
Afeto para quem não tem teto
Afeto para corações de neve

Afeto aos que me afetam
Afeto aos que me alfinetam
Afeto aos que não me engolem
Afeto aos que me leem

quanto dura?

Quanto dura uma vida?
O tempo de um beijo, 
o caminho de um desejo
ou o congestionamento na avenida?

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

via das dúvidas

Penso nos certinhos, nos previsíveis, nos irritantemente estáveis. Aqueles que falam sempre baixinho, polidos, infalivelmente corretos em suas casamatas existenciais. Os que jamais soltam um palavrão, nem na hora certa. Se não soltam, fica preso, engasga. Nunca sentem raiva, apenas discordam. Seus erros são comedidos, bem como seus acertos. Erram muito pouco e arriscam pouquíssimo. Impecáveis...parecem desconhecer o sabor da fruta proibida, da pipa cortada e aparada, do pecado assumido, saboreado, dos pés no chão...de estrelas, do amor à luz do sol e da lua, no mato, no telhado, no teto da rua. 
Penso nos perfeitos, simétricos, inabaláveis. Talvez desconheçam a deliciosa catarse de xingar o árbitro, o político corrupto, de urrar de felicidade diante do êxtase de um gol, de preferência, em impedimento. 
Penso nos que se impedem de ser tudo que eventualmente poderiam ser, nos que não saem de sandálias, não esquecem datas, não odeiam gravatas e brav
atas.
Penso nos que estão sempre bem passados, esquecidos de que o futuro deverá ser um presente. Nos que não se amarrotam, naqueles que arrotam algo que não cheira bem, que não é bem nem mal, é alguma coisa neutra, como flores artificiais.
Penso nos que não fazem arte, não pintam o sete, não se viram do avesso, em quem coloca gesso na espontaneidade, no improviso, no inesperado. Gostariam eles de pegar um toró daqueles, abdicando das marquises? De se empapuçar, lambuzar-se de talvez?

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

esquiando

Nós vamos, vamos e não nos esquivamos de ir além
Nós nos esquiamos, caímos e em nós mergulhamos, 
como nos convém

sem ressaca

Vivo do meu jeito, sem bater no peito. 
O que bate no meu peito é uma palavra pequena, que me aquece mais que lareira. 
Tremo com o frio que outros sentem.
Digo a verdade mesmo ao que mente. 
Minha semente eu espalho, para que não seja fogo de palha o que me incendeia. 
Amo as ideias e mais ainda o suor que escorre delas. 
A vida me embriaga, sem ressaca. 

ninguém escapa da vida

Os cento e quarenta pares de sapatos da patroa
Crianças descalças na lagoa
Ninguém escapa da vida

A intimidade falsa vendida pela tevê
A solidão real que ninguém vê
Ninguém escapa da vida

A figura de um mendigo abraçando uma boneca
O figurão com dinheiro dentro da cueca
Ninguém escapa da vida

O desempregado que nada pode comprar
lamentando a venda do Neymar
Ninguém escapa da vida

O malfeitor vivendo de fugas
O jovem fugindo das rugas
Ninguém escapa da vida

O famoso casado com a fama
O casal separado pela cama
Ninguém escapa da vida

O pessimista diante de um sorriso
O otimista enxergando o que é preciso
Ninguém escapa da vida

O que simplifica, entregando tudo a Deus
Eu, você e até mesmo os ateus
Ninguém escapa da vida


Os que buscam a luz no exterior, quando luz são
E os que se iludem, ao desdenhar da ilusão
Ninguém escapa da vida



terça-feira, 27 de agosto de 2013

doador de tempo

A doação mais preciosa é o tempo. 
Doa aquele que tem compaixão pela dor, que entrega ouvidos a quem olvida do que não deveria esquecer.
O doador aquece, aquiesce com o olhar que chega bem pertinho.
Aquece até que o coração falante sinta-se menos deserto, menos incerto. 
Doar órgãos é um gesto de amor à vida, depois dela.
Doar tempo é doar vida, sem renunciar à ela.

ciclos e ciclovias

Viva os ciclos e as ciclovias
Acariciemos a pele das esperanças, com ou sem estrias
Saudemos os circos, os círculos e suas redondezas
Um brinde aos corações pródigos e suas proezas
Abençoadas as curvas, nas mais diversas arquiteturas

Vida longa às esquinas criativas e suas criaturas

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

perdas e perdas

É fundamental perder.
Não a calma, mas a razão, para que a alma não envelheça.
É fascinante perder.
Não a ternura, mas a ingenuidade, para que o bem não desapareça.
É desejável perder.

Não o pulso, mas as horas, para que a paixão não encolha.
É preciso perder.
Não o amor, mas o egoísmo, para que o sentimento não se recolha.

aliás

Aproveite que a vida despertou e desperte sem despertador, sem despertar a dor.
Aliás, mentalize algo lilás. Imagine mais, bem mais do que tem sido. Seja bem parecido com o que tem sonhado. Vá a nado até a ilha mais próxima, seja um ímã e atraia delícias. Mas não traia seu sexto sentido. Não faz sentido apequenar-se nas amarrotadas rotinas. Abra as cortinas e... abracadabra!! Deslumbre-se com o que não vê ainda, mas sente, mesmo estando de pé. Dê um chute na preguiça e deixe que caminhos novos descubram você. Faça parte do itinerário das surpresas. Arranque as presas do pessimismo, duvide do tanto faz. Faça tanto quanto não possa e fique bem distante da fossa, que não tem nada para lhe dizer.

apaixonante

Acordei agora, com a sensação de que dei a corda toda em mim. Passarinhos fazem confidências em voz alta, sem se importar com minha curiosidade. As árvores jogaram folhas como se faz com beijos e abraços, simplesmente entrega-se. O céu protegeu seu azul do inverno que já anuncia sua despedida. E a melhor pedida é aquecer-se da melhor maneira possível, imaginando o frio que não está fazendo, só pelo prazer de se aconchegar. Que o resto da manhã chegue, que você chegue, para completar a festa, pois a vida está prestes a se apaixonar.

domingo, 25 de agosto de 2013

sociedade dos poetas vivos


Alimento a palavra que me alimenta, que me nutre de luz, que me seduz com seus encantos secretos. Refiro-me à palavra que está por toda parte e em cada
parte de mim e do que me rodeia. A palavra que banha o rio, que mata a sede de toda aldeia. A palavra que enche as salas de espera com esperanças, que habita a sola dos pés dos sonhos incansáveis e a palma das mãos das vontades insaciáveis.
Busco a todo instante a palavra-fermento, que faz crescer meu sagrado desvario. A palavra-exorcista, que afugenta o fantasma do conformismo. A palavra sem fetiches, mas que enfeitiça, que atiça. A palavra-sem-vergonha, nada castiça,
que comete pecados. A palavra arisca, que se arrisca, que risca minha mente, muito 
antes de atirar-se sobre a tela. A palavra que se estatela, exatamente como o Sol e a Lua o fazem, quando os espreito da janela. A palavra que não é somente ela, mas também suas surpreendentes metamorfoses. A palavra que me escreve, antes que eu pudesse fazê-lo. A palavra que, com todo zelo, convida-me a dançar. E não caberia recusa. 
Trata-se da palavra que me defende de mim mesmo. Daquela que jamais se entrega a esmo, unicamente por paixão. A palavra mestiça, ecumênica, plural, que não se submete, não se curva. Palavra doce como uva, mas escorregadia como casca de banana para aqueles que não a amam.

Concerto em Fa maior

Tanto tempo na estrada
Caminhos curvos, setas turvas
Nem sempre consegui distinguir a entrada
Confundi retas com curvas

Pedi carona
Perdi a calma
Perto e longe que nem sanfona
O corpo menos cansado que a alma

Larguei a pressa
Peguei no sono
Foi bom à beça
Já era outono

Você traduziu
da melhor maneira
o que sempre me fugiu
a vida inteira

Meu Deus !
Amo você com tamanha intensidade
Que nem todos os versos meus
conseguiriam expressar sequer a metade

rocha macia

Se entrego meu sono à rocha, 
ela se torna macia
A serenidade é uma tocha
que deixa a escuridão vazia

à prova

É possível, sempre será possível
Por menos que esteja visível
Pode ser alcançado
Ainda que canse
Pode ser provado

Mesmo que não haja provas

sábado, 24 de agosto de 2013

comigo

Terá que ser sempre assim:
enfrentar-me e vencer-me,
para não me perder de mim.

a conta

Cada qual pode viver do jeito que quiser
De pernas para o ar ou conforme lhe convém
Seja lá como for, esteja como estiver
Deve ser levado em conta que a conta sempre vem

lágrimas e gelo

Querer eu quero
Mas nem sempre sei como fazê-lo
Só sei que é preciso muito esmero
Para enxugar lágrimas e gelo

a volta

Dei uma volta pelo futuro, 
mas já estou de volta
Não é nada seguro
segurar o que o tempo não solta

mel e abelhas

O garoto acordou com o mel e as abelhas por perto. O doce escorreu pelos seus dedos e ele não correu, apesar de todos e tantos medos, das picadas amargas. Escondeu-se de Deus, deu-se por vencido, convencido de que não era propício lutar contra a vertigem do precipício. Mais tarde, o luto morreu e, acima do morro, apareceu um sol muito parecido com o que havia se escondido naquele estranho amanhecer.

resultado e processo

Um amigo  presenteou-me com uma frase, cuja autoria ele desconhece: "Desapegue-se dos resultados e abrace o processo". 
Abracei-me à frase, antes de decidir o que fazer com o processo. Logo eu que sempre elegi resultados como propulsores da vontade. Quantas vezes repeti que sacrifícios, pequenos e grandes, justificam-se pelo que se obtém. Renúncias, suores, tudo encontraria apoio no ganho que chegaria, em algum momento. 
Por enquanto, permanecerei abraçado à ideia, que me provoca e me convoca à reflexão. Depois de flexões de braço, nada mais estimulante que flexionar conceitos.
Que o processo saboroso da existência me abrace!

o pote

Dizem que há boas e más recordações
Sei lá, guardo as minhas num pote só
A imensa maioria merece novas edições
Outras (felizmente poucas)...viram pó

mesma esquina

Fico muito feliz quando o que digo e o que faço
encontram-se na mesma esquina.

sábado, 17 de agosto de 2013

pay-per-view

Não me poupo, pois não quero pouco. 
Migalhas nunca me fizeram a cabeça.
Pelo caminho, encontrei pedras, nem todas preciosas.
Conheci perdas, que deixaram minhas áreas de festas temporariamente ociosas.
Mas havia uma fresta e por ela a luz passou, iluminando e animando meus desenhos,
quase esquecidos no caderno das esperanças.
Meus olhos dançam e me balançam em todos os ritmos desconh
ecidos, mas sempre, sempre na tua direção.
Minha alma conhece dialetos estranhos.
Ela se comunica por sinal aberto, hostil ao pay-per-view.
E meu coração está certo de que sentimento como esse, jamais se viu.

seria

O que eu seria se não fosse louco?

Enlouqueceria.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

ombros

Nos momentos mais amargos, é preciso doçura
Se o céu desabar, salve uma estrela dos escombros
Quando a realidade encher o saco, um pouco de loucura
Mantenha apenas sonhos sobre seus ombros

carretel

Faça o que for possível, disse-me alguém.
Mas eu, com a linha de minha vida enroscada num carretel,
não conseguia enxergar o que estava tão perto, mas perto
demais para ser meu objetivo. Aliás, eu sonhava em ser
sujeito e não objeto e fazia objeções ao que era, apenas,
possível, palpável, concreto. 
Em minha infinita insaciedade, eu comia sanidade só para
não morrer de fome. Mas alimento mesmo, que sustentaria
por muito mais que um momento, não estava ao alcance das
mãos.
Mesmo que fossem somente grãos, eu tinha fome de verdade.
E a verdade em que eu acreditava não era vendida na feira, nem
se exibia na beira de nenhuma barraca, à espera de algum comprador.
Essa verdade aventada não era vendada, ela me via e me vinha, como
sempre virá o que nos foi prometido, como a luz e o amor.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

partilhas e matilhas

Que me venham as partilhas
com suas fatias de generosidades
Que se calem as cartilhas
com suas matilhas de maldosas bondades

Yoda

Há quanto tempo tantos acreditam não ter tempo para tentar
Ah! Os tentáculos das crenças convencendo a criatividade a não criar

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

tanto querer

Por tanto querer,
sem saber me conter,
corri mais que devia
Mas o que eu tanto queria
escorria entre os dedos do acaso
e não me via

decolagem

Você cola em mim
e cala meu frio
Eu decolo de ti
como o peixe do rio
Você me descola 
da tédio e do medo
Eu te decoro
com as estrelas que chegam mais cedo

terça-feira, 13 de agosto de 2013

calendário de loucuras

O que falta no real sobra no imaginário
Nem todo dia santo está no calendário
Nos subterrâneos da mente há um antro de travessuras
Quando a sanidade se encolhe, escolhem-se as melhores loucuras

domingo, 11 de agosto de 2013

Dia dos pais

Pai
Apenas três letras, como mãe e paz 
Fácil escrever e nem tão simples ser
Pai de paixão, de dar e receber chão
Pai para rolar de rir no colchão
Pai de compaixão, que faz companhia, que dá a mão
Pai capaz de ser tão jovem e, por isso, tão filho
Pai sem idade, mas com uma baita vaidade de ter você como filho(a)
Pai que pode até brigar, mas que sabe brincar, sem perder o juízo

pai e filho

Papai, som que escuto e não digo
Cordão que se rompeu não só no umbigo
Estranha saudade, que nasceu antes de mim
Como se houvesse aroma e cores, mas sem jardim
Pai, obrigado pela poesia que me deixaste de herança
Hoje entendo que, tanto quanto eu, também eras criança

sábado, 10 de agosto de 2013

contraditório

Por receio de ser tomado por tolo, o homem se repete, ao repetir as tolices cometidas.
Por temer o ridículo, o homem engole em seco o lixo do óbvio,
vendido com rótulo novo nas melhores drogarias da cidade. 

Para fugir dos julgamentos alheios, o homem foge de si mesmo, ao condenar à morte, sem 
contraditório, o estranho que dele se aproximava toda vez que ele ousava usar o espelho.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

mar e anjos

As maiores alegrias que tive não foram obras de marmanjos.
Vieram trazidas pelos ventos do mar ou pelas mãos de anjos.
Nenhum triunfo mais significativo resultou de táticas cerebrais.
Mas de muito tato da alma e intuições pontuais.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

calma lá !

Se o namoro já dura alguns anos, lá vem a pergunta:
"quando será o casório?"
Poucos meses após o casamento, explodem as cobranças:
"quando virá o neném?"
Após a separação, os amigos comentam:
"poxa, separou-se há tão pouco tempo e já está namorando?"

O que explica esse comportamento social?
Afinal, nem todos os namorantes resolvem casar-se, nem todos os casais
decidem ter filhos, nem todos os sep
arados cultivam o luto por muito tempo.

Que tal torcer, apenas, pela felicidade das pessoas, sem projetar sobre elas
nossas próprias expectativas, nossos próprios carmas, nossos próprios lutos?

a fresta e a festa

Meu corpo é uma fresta,
por onde minha alma passa
e faz a festa!!

domingo, 4 de agosto de 2013

o que você faria?

O que você faria se não tivesse medo?
Jogaria muitas coisas fora,
sairia de dentro de você
ou chegaria em casa mais cedo?

O que você faria se não tivesse medo?
Dormiria na praia,
treparia no telhado
ou não fugiria da raia?

espaço

Em meu coração, não cabem amor e ressentimentos
Por uma questão de espaço, 
só fica o amor em todos os aposentos

telepatia

O que de mais gostoso a gente recebe
é aquilo que só a imaginação pede 
e alguém que a sabe ler percebe

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Hannah Arendt

Hannah sabia o que dizia. Judia, não judiava do pensamento aberto, escancarado, indomável. Hannah filosofava com os pés no chão (de estrelas).
Brilhava sem constrangimentos, livre de falsos pudores. Hannah trazia na alma
diversos odores: dos horrores da guerra, das dores da exclusão, das torres subterrâneas das prisões, mas daquelas que tentam aprisionar corpos e mentes,
mediante a torturante ideologia da menos valia, da insignificância do recluso,
reduzido a algarismos, misturados à algazarra de tantos lamentos.
Uma mulher que começava e terminava do mesmo jeito, como seu nome.
Que persistia, resistia, insistia naquilo em que acreditava, que não editava suas emoções. Uma mulher que não fazia gênero e desprezava o sucesso efêmero
das opiniões convenientes, subservientes.
Seus alunos sorviam suas palavras, empapavam-se com o entusiasmo que
escorria de cada frase, iluminavam-se com o brilho incandescente daqueles olhos
sagazes, que enxergavam longe (para trás e para a frente).
Afirmava sua incapacidade de amar qualquer povo. Amava seus amigos,
que nem sempre a souberam amar, da mesma maneira incondicional e desconcertante.
Denunciou a bizarra tese do "estrito cumprimento do dever". Crimes
cometidos por "ninguém", na medida em que quase todos se eximiam de responsabilidade, em nome do "dever de lealdade". Amorfos "cumpridores de ordens", burocratas que renunciavam ao juízo moral, que abdicavam da condição humana da
racionalidade. Raquíticos carimbadores, que se agigantavam sadicamente, por detrás
de seus carimbos.
Hannah desafiou maniqueísmos, olhou para os olhos do Mal, sem chorar
nem sorrir, tampouco imaginando-se emissária do Bem.
Os dantescos carrascos de gabinete entendiam que sua participação exauria-se ao colocar os trens em movimento. O trem da História passou por cima deles.
Histórias parecidas acontecem quase todos os dias, guardadas as devidas (e indevidas) proporções.
Os trens ainda circulam... e nós não somos apenas passageiros.