quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A força do vento

O vento vem e derruba árvores. E o homem pensa: isso eu também faço.
Mas o vento também derruba muros. E o homem pensa: preciso construir muros de aço.
Ora, dá uma súbita vontade de ir embora. Mas para onde iria, se lá, quem sabe, não estaria tudo que mais valorizo, inclusive meu riso?
Quero um planeta com vida, com muitas árvores e sem muros. Não darei murros em pontas de facas, mas com elas é possível cortar os laços com
o futuro retrógrado, do agrado somente daqueles que não plantam mudas de solidariedade e compaixão.
Sustentabilidade é a uma das palavras da moda. Mas de que adianta repetir jargões, se insistimos em incomodar os rios, os oceanos, as florestas e o que de tudo isso ainda resta?
Precisamos de valores, mas me refiro àqueles que não gravitam em contas-correntes. Precisamos precisar de menos coisas. Então, do que se trata, a não ser da sustentabilidade moral? Quando ficaremos empanzinados de espertalhões, cujos negócio prediletos são negociatas?
Outrora debaixo dos panos, mas cada vez mais às escâncaras. Parece que a intenção mal dissimulada é tornar a cretinice corriqueira, banalizada, consagrada pelo uso sistemático.
O vento vem e derruba árvores e muros. Mas também espalha sementes.
Algumas brotarão!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

o ineditismo da repetição

Sexo vai muito além do genital. Aliás, para fazer bem feito nem precisa ser gênio e tal. Penetrar é fundamental, mas integralmente. Inclusive com a mente íntegra e tudo bem natural. Técnicas e pirotecnias podem ficar do lado de fora. As melhores acrobacias são assinadas pela espontaneidade. Tudo pode ser inédito, inclusive a repetição.
Melhor esquecer a matemática e matar pela raiz todas as temáticas que inibam o fluir da atração. E bem antes da hora H, afinar os instrumentos de dentro pra fora e de fora pra dentro. Pois nada é mais instigante para a libido que um sorriso sincero e muitíssima imaginação.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Tal vez

Talvez eu tenha corrido demais, cansado demais.
Talvez eu tenha misturado loucuras com outras coisas menos normais.
Mas, acreditem, não poderia ter feito de outra maneira.
Talvez eu tenha guardado menos malas que viagens.
Talvez eu me recorde menos de países que de paisagens.
Mas, acreditem, não poderia ter feito de outra maneira.
Talvez eu tenha lembrado mais tarde o que esqueci tão cedo.
Talvez eu tenha dado muitos nomes ao que poderia chamar de medo.
Mas, acreditem, não poderia ter feito de outra maneira.
Talvez eu não tenha esperado, por acreditar que já era depois.
Talvez eu não tenha buscado apenas em mim o que queria encontrar em nós dois.
Mas, acredito, farei de outra maneira.

sábado, 17 de janeiro de 2015

porre

Eu não bebo.
Mas de vez em quando encho a cara de sorrisos
e tomo um porre de felicidade!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

utilidade e valor

Amor é o que sentimos além da necessidade. É o dia seguinte, em que somos sacudidos não mais pelo desejo frenético e mesmo assim ardemos. Pelo que recebemos e pelo que demos. Amamos alguém não por verbalizar o sentimento, mas pela sobrevivência do outro aos pragmatismos. Utilidade e valor são valores bem distintos. Deixar de ser útil é inevitabilidade, no todo ou em parte. Mas o valor é o que fundamenta as relações mais profundas. É exatamente o reconhecimento do valor de uma pessoa para nós que consagra o que sentimos por ela.
Mesmo que ela não seja (mais) útil.
Pessoas e sentimentos envelhecem. Mas a finitude delas não determina a deles.
Valorizar a utilidade é da família da conveniência. 

Reconhecer o valor é familiarizar-se com o amor.


p.s.: texto inspirado em palestra proferida pelo Padre Fábio de Melo.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Je ne suis pas Charlie

Eu não sou Charlie.
A vida tem graça, faz rir e chorar muitas vezes. Mas não é apenas uma piada. Sentimentos obscuros permanecem obscuros, ainda que sejam
expressos sob a embalagem colorida de um gracejo. 
É brincando que dizemos, de maneira pretensiosamente polida, o que
se esconde em nossos porões.
Cresce desordenadamente a população desse condomínio chamado de
humanidade. Na mesma proporção em que crescem os muros que separam as casas desse condomínio e o desejo (manifesto ou tácito) do
exercício de domínio sobre o que se passa nas demais unidades residenciais.
Na ponta dos pés em meio à calada da noite ou a pontapés nas calçadas de todos os dias, eugenias nada geniais e ojerizas glaciais deixam marcas profundas na pele das pessoas.
Piadinhas repetidas incansavelmente transformam-se em chacotas, bullying. O sarcasmo sequer esconde a repulsa pelo diferente. Ao contrário, enfatiza o desamor, a intolerância, a exclusão.
Repudio todas as formas de violência (física, psíquica, intelectual...).
Por isso, não sou Charlie. E, se um dia o fosse, seria Brown ou Chaplin.
Pois sou a resultante de todas as criaturas misturadas. Graças a Deus!
Mas também brindo aos ateus, aos judeus, aos muçulmanos e, acima de tudo, ao que de mais humano há e sempre haverá na gente (pelo menos em quem verdadeiramente gosta de gente).