terça-feira, 31 de maio de 2011

no desdobramento da alma (por Suzana Guimarães)


A sensação surgiu entre uma palavra e outra, um gesto e o próximo, o toque e o momento antes do voo dos dedos e eu a alcancei. O arco iluminado cuja forma é meu corpo, pequeno e frágil, abarcou a onda que vinha no escuro da noite, na minha solidão, enquanto eu tentava organizar em mim, um mapa. Sim, há em mim desenhos de rios, um mar, céus onde voam aeronaves. Há um horizonte. Há o desenho de uma menina que corria pra entrar nas igrejas e que colhia flores. Há montanhas que escondem os meus segredos, aqueles que não quero mais. Jogue-os nas águas do arrudas. Há em mim, um livro ou toda uma livraria, mas nenhuma palavra, carrego em mim, um silêncio incômodo, pois meu trabalho diário é árduo, tento organizar o mapa. 

Fiquei parada, por longos minutos, sentindo a sensação nova, reconfortante, aquela mesma que encontrei numa fila em círculos, onde se recitava mantras, cheirava-se a incenso e largava-se qualquer pensamento que não fosse acompanhar a procissão. Sensação de êxtase. Sussurros de sacristia. No mapa, havia outra menina também desenhada, ela repetia ladainhas que a levavam à beira de um rio, onde cantavam mulheres fortes que batiam os lençóis nas águas. 

Fiquei parada, e vi no mapa, a casa grande, som de copos, água, barulho de cozinha. O mapa estava confuso, perdido entre o já ocorrido e o amanhã. O hoje, apenas meu pranto ao amanhecer.

Fiquei parada, deixei a sensação se alojar em mim. Uma pequena cidade no interior, mil noites atrás, a mulher dizia para a menina, "cuidado, a cera que escorre queima os dedos, pegue este papel, faça um buraco nele e enfie a vela, desça-o à medida do teu passo, da tua reza, da chama da vela e do escorrer da parafina. Talvez haja ventos, mas não desista, siga a fila, acompanhe, desvie das pedras pontudas". 

O mapa em mim pesa-me, sufoca-me, difícil carregar tanto assim por dentro. Preciso me encontrar na fila, preciso murmurar palavras de amor, entender que o caminho melhor é somente aquele em que estou. Preciso deixar o mapa de fora - o que mal avisto, o que mal sinto, por estar com os olhos da alma fixos no mapa de dentro - guiar-me.

Talvez, talvez a sensação tenha me alcançado para preencher a falta dos braços que anseio por me segurar. Faltam braços, faltam mãos, faltam palavras meigas, palavras de amor. Quando eu os alcançar, os dois mapas se fundirão.

por Suzana Guimarães


sexta-feira, 27 de maio de 2011

ar livre

Sem prisão, o amor é muito mais são
Sem pisão, a dança é bem melhor.




quarta-feira, 25 de maio de 2011

tão tao

Se for inútil, retiro o til do tão. O caminho, apenas o caminho.
A premência, a intensidade declarada nem sempre ajuda,
não raro é um Deus nos acuda.
Qual a dose certa, que não tenha demasia, a porção que não
apenas me conforte, mas não sufoque a própria intenção?
Se é fútil, eu sigo mudo, então.
O carinho e somente o carinho.
Abro mão dos entrementes, pois entre as mentes há distância demais.
Ouço o toque do silêncio aquietando meus impulsos, que não gostam
de dormir.
Mas não são eles, sou eu que pulso, transbordando de emoção.


segunda-feira, 23 de maio de 2011

Sintonia (segundo clichê)

Esperei,
quando a espera se esgueirava, clandestina
Esperei em cada olhar,
esperei em cada esquina.

Esperei acordado,
quando todos já dormiam,
esperei ancorado,
quando os barcos já partiam.

Esperei nas grutas,
nas insanas madrugadas,
esperei nas lutas,
nas entranhas das jornadas.

Esperei nos gritos
que o silêncio amordaçou,
esperei nos mitos
que a razão já desprezou.

Esperei sentado
contemplando a escuridão,
esperei cansado, enganando a solidão.

Esperei, de pé,
mal contendo a ansiedade,
esperei, até,
desaprendendo a ter saudade.

Esperei, de uma vez,
todo encanto e poesia,
esperei, talvez, o que não mais se espera,
hoje em dia.

Esperei, enfim,
e esperaria por mais vidas,
e ainda espero...
para lhe dar as boas vindas.

domingo, 22 de maio de 2011

esqueci da lembrança


Um barco na parede
Sem mar, fica à deriva a solitária pescadora
A rede balançando, lançando convites, por mais que evites
Carros, abraços, beijos e promessas estacionados,
acionados pela ausência destilada e pela saudade desgovernada
Ver nada...e adianta fechar a vista, por mais que a dor persista
e o esquecimento venha a prazo?
Raso é o Rio sem os sorrisos despretensiosos e maravilhosos
que despencavam às pencas de boquiabertas bocas
Como rebocas o desejo que enguiça?
E ainda pensas do mesmo jeito, mesmo que haja aí no peito
algo sem explicação
Em incerto dia, fora de controle, uma lágrima escapa e tu ficas sem ação
Quem sabe essa gota de esperança mate a sede de tua esquecida lembrança.

ausência boa

Preciso que não estejas
para querer-te mais
Bom que tu me vejas
ao longe, sobre a pedra do cais
Escrevo cartas que não envio
mas recebo a resposta
Recolho imagens que associo
a tudo que tua alma gosta

quinta-feira, 19 de maio de 2011

álibi

Onde estás?
Procurei-te em mim, fui até o fim e
nada encontrei.
Onde estás?
Curei-me de ti, de uma forma que nem senti,
só eu sei.
Onde estás?
Pé ante pé, para não despertar a dor, caminhei até
meu coração.
Onde estás?
Se não é mais ali, encontrei o álibi para inocentar
a solidão.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

claridade

Amores que vêm e vão,
amores que eram e são,
amores que esperam, outros não

Amor colado, amor calado,
amor catado, sem pudor,
amor encantado de tanto amor

Amor perdido, amor bandido,
amor contido, em conta gotas,
amor contado pelas bocas

Amor que erra o caminho,
amor que era o espinho,
por esconder a flor

Amor prematuro, amor maduro,
amor pão duro, difícil de engolir,
amor, veneno, elixir

Amor que morri e vivi,
amor semântico e mântrico,
segredo que nunca escondi.







segunda-feira, 16 de maio de 2011

o que seria

O que seríamos?
Talvez, nem tão sérios. Quem sabe,  um ou dois mistérios.
O que seríamos?
Um só endereço, mas tudo tem seu preço.
O que seríamos?
Produções em série, mas resistiríamos a toda intempérie?
O que seríamos?
Uma sala, um quarto. Mas quem faria o parto?
O que seríamos?
Uma história com seu fim. Mas o começo, você pode contar pra mim?

domingo, 15 de maio de 2011

15 de maio

São poucas as lembranças guardadas
Imagens quase esquecidas e fotos amareladas
Pedaços de frases espalhados, como no fim de uma festa
A falta de alguma coisa que o olhar manifesta
Caminhos percorridos em busca da sua mão
Medos escondidos, mas nem tudo foi em vão
Depois de tanto tempo, pouco importa o passado,
se futuro e presente dormem sempre ao seu lado
Que esses versos lhe alcancem como se fosse um abraço
Se gostar e quiser outros, é só dizer, eu mesmo faço


sexta-feira, 6 de maio de 2011

a fresta

No meio da festa, passo por uma fresta,
só para pensar em você.
Nem alegre, nem triste, basta saber que
a vida existe, nem que seja por um triz.
E tudo que fiz tem a cara do que fui.
E o que sou? O que soa, sua, voa em
sua direção.
Sou o vão entre a palavra e o gesto
e presto muita atenção nos que vão
atrás do resto da visão.
Gosto dos que são, mesmo insanos,
dos que desafiam os anos, afiando
idéias, nas boléias de suas vidas.
E me enrosco nos olhares sem preguiça,
na carícia que enfeitiça e me atiça a
vontade.
Que nunca seja tarde para desarrumar a
sala e ouvir a voz que não cala a madrugada.
Dormir? Que nada! Meu sono acorda a estrada
e descobre que tudo e nada são metades de nós
dois.



terça-feira, 3 de maio de 2011

P A Z

O homem mau foi morto por homens maus
Todos os tons da violência trazem o caos
 A bondade não mata, é disso que se trata
A moradia da estupidez é a casamata
Mal que com mal se paga?
O sal do desamor se propaga
Intolerância gera intolerância
A gentileza fica à distância
Para melhorar o mundo, é assim que a gente faz?
Amor, compaixão e exemplo trazem no colo a paz