A sensação surgiu entre uma palavra e outra, um gesto e o próximo, o toque e o momento antes do voo dos dedos e eu a alcancei. O arco iluminado cuja forma é meu corpo, pequeno e frágil, abarcou a onda que vinha no escuro da noite, na minha solidão, enquanto eu tentava organizar em mim, um mapa. Sim, há em mim desenhos de rios, um mar, céus onde voam aeronaves. Há um horizonte. Há o desenho de uma menina que corria pra entrar nas igrejas e que colhia flores. Há montanhas que escondem os meus segredos, aqueles que não quero mais. Jogue-os nas águas do arrudas. Há em mim, um livro ou toda uma livraria, mas nenhuma palavra, carrego em mim, um silêncio incômodo, pois meu trabalho diário é árduo, tento organizar o mapa.
Fiquei parada, por longos minutos, sentindo a sensação nova, reconfortante, aquela mesma que encontrei numa fila em círculos, onde se recitava mantras, cheirava-se a incenso e largava-se qualquer pensamento que não fosse acompanhar a procissão. Sensação de êxtase. Sussurros de sacristia. No mapa, havia outra menina também desenhada, ela repetia ladainhas que a levavam à beira de um rio, onde cantavam mulheres fortes que batiam os lençóis nas águas.
Fiquei parada, e vi no mapa, a casa grande, som de copos, água, barulho de cozinha. O mapa estava confuso, perdido entre o já ocorrido e o amanhã. O hoje, apenas meu pranto ao amanhecer.
Fiquei parada, deixei a sensação se alojar em mim. Uma pequena cidade no interior, mil noites atrás, a mulher dizia para a menina, "cuidado, a cera que escorre queima os dedos, pegue este papel, faça um buraco nele e enfie a vela, desça-o à medida do teu passo, da tua reza, da chama da vela e do escorrer da parafina. Talvez haja ventos, mas não desista, siga a fila, acompanhe, desvie das pedras pontudas".
O mapa em mim pesa-me, sufoca-me, difícil carregar tanto assim por dentro. Preciso me encontrar na fila, preciso murmurar palavras de amor, entender que o caminho melhor é somente aquele em que estou. Preciso deixar o mapa de fora - o que mal avisto, o que mal sinto, por estar com os olhos da alma fixos no mapa de dentro - guiar-me.
Talvez, talvez a sensação tenha me alcançado para preencher a falta dos braços que anseio por me segurar. Faltam braços, faltam mãos, faltam palavras meigas, palavras de amor. Quando eu os alcançar, os dois mapas se fundirão.
por Suzana Guimarães
Suzana, espaços existem para que sejam preenchidos. A 400ª postagem merecia algo superlativo, denso e, ao mesmo tempo, delicado.
ResponderExcluirLi (uma, duas, três vezes...). Depois, os olhos decidiram dar lugar à alma, cuja leitura processa-se de outra maneira, não sensorial. Senti-me transportado para aquele cenário...rios, mar, céus...
Céus! Por um instante, eu era a própria aeronave, a sobrevoar aquele espaço intangível, entre uma e outra palavra, o hiato entre um gesto e o seu sucessor.
Diante de mim, surgiu um menino, com dedos chamuscados pela cera. Mas o menino desafiou o fogo, os ventos, as pedras pontiagudas. O medo tocou-o, mas ele conseguiu escapar, pelo buraco que a ousadia fez no muro do desconhecido. E, do outro lado, vozes que não consegui identificar entoavam mantras, sussurravam sorridentemente, dançando em círculo, como se não fossem apenas vozes, como se fizessem as vezes do próprio menino, em seus infinitos devaneios.
Deve ter sido um sonho..e, quase acordando, percebi a fusão de dois traçados, geografias siamesas que se entrelaçavam, conduzidas por braços, mãos, pela meiguice de palavras que, amorosamente, acalentavam minha criança interior. que me abraçou longa e ternamente.
Texto sublime e catártico. Obrigado pelo presente, minha amiga!
Abraços poéticos!!
Helcio,
ResponderExcluirTeu pedido foi uma ordem, um afago, sinal de reconhecimento e gosto pela minha escrita, motivo de orgulho para mim.
Você faz parte de um grupo muito pequeno que consegue interpretar meus textos da forma que eu o faria.
Considero importante qualquer tipo de interpretação de texto, mas aquela que nos abre a alma e desvenda segredos, desnuda entrelinhas, salta aos nossos olhos como se fosse nossa... ah, essa é diferente!
Obrigada!
Um abraço,
Suzana/LILY
Helcio,
ResponderExcluirViajei ate aqui pelas mãos da Suzana e viajo novamente no texto sensivel, intimista, denso desta maga das palavras e sentimentos.
Suzana, a gente traz gravadas na alma as tatuagens das nossas lembranças que formam o mapa das nossas vidas. O mapa de fora sempre nos apresenta encruzilhadas e so o mapa de dentro nos indica o caminho
Parabens ao Helcio por ter promovido esta postagem e a Suzana, um beijo.
Hélcio
ResponderExcluirVocê teve o privilégio de receber um texto tão verdadeiro...vejo a mulher/menina no limiar do mundo.E se falta alguma coisa, entre mãos, beijos e abraços, não falta a beleza. Suzana você foi perfeita. Beijos
Olá, Helcio, tb chego aqui pelas mãos da Suzana. QUe bela poetisa é nossa amiga blogueira, não? Vida longa à poesia de nossos blogs. Voltarei.
ResponderExcluirOi Helcio
ResponderExcluirUm dia especial hoje com a presença da Suzana essa menina Lily que traz poesia na pele ela é como a citação do poeta " comigo a Anatomia enlouqueceu: sou todo coração"
haja visto esse seu "desdobramento da alma" essa maneira de ver o mundo com os olhos de dentro.
assim leio a Lily - abrindo meu coração pra voar com ela a procura de outros braços.
parabéns Hélcio pela escolha , deixo um abraço
Não conhecia seu blog,ou conhecia? Ando tão em falta na blogosfera... Mas Suzana me trouxe aqui com suas letras, sua prosa, sua poesia, com a sua sensibilidade que sempre me deixa os olhos marejados...
ResponderExcluirVida longa ao blog!
Abçs...
Lindo texto...de uma profundidade e ao mesmo tempo de uma sensibilidade unica. me ficou a sensação do imenso universo que há dentro de cada um de nós...
ResponderExcluirBeijos...doce dia
Valéria
Posso dizer que quando Suzana manda, é por que manda bem, todos que a visitam ficou curioso em vir aqui. Helcio, essa menina chamada Lily tem muitos contos não lidos, que quando se lêem viaja em um intimismo só.
ResponderExcluirComo tem uma boa textuação em dizer o que quer, com a moldura de quem está pronta e preparada para se lançar em muitas aventuras literária.
Parabéns pelo seus 400ª postagens e por ter uma homenagem dessa que a Suzana lhe conferiu.
Abraço
Ótima postagem... Grande essência em cada detalhe..!
ResponderExcluirAs vezes o que nos falta Nós mesmos!
Beijos Doces! *-*
Fiquei parado sentindo e assistindo a história que envolve e mostra que o mapa é mundi e que tem climas e relevos e montes e montanhas que também reconhecemos.
ResponderExcluirAbraço, Su, sempre nos envolvendo.
traçamos mapas e metas e mesmo assim nos perdemos nos caminhos…e muitas vezes é nos atalhos que conseguimos ver o que temos, ou o que queremos...
ResponderExcluirNossa q texto rico e cheio dos detalhes geográficos...rs...Literalmente uma viagem e q me trouxe até aqui... Prazer em conhecer este espaço e é um prazer ler sempre os textos de Suzana
ResponderExcluirBeijos
Maria
Su, me convidou e convite dela tem sempre boas novidades.
ResponderExcluirBom estar aqui com vcs!
Bj
Hélcio / SUZANA,
ResponderExcluirCreio que aqui os mapas se fundiram!
Tantos abraços,
Tantas mãos,
Tantas palavras meigas, de amor...
Tantas almas que aprendem da vida pela observação, pela experiência, pelo desejo de provar da vida com intensidade...
Que bom vir aqui, conhecer o blog e reler Suzana!
Um abraço amigos poetas, Marluce
Helcio, uma delícia seu cantinho e Suzana, recebi indicação para conhecer sua escrita, que digo, de uma excelência.
ResponderExcluirAmei!
Abraços
Priscila Cáliga
Helcio, Suzana nos ligou, agora volto mais vezes.
ResponderExcluirLindas palavras da SU.
Lindo o seu blog
Beijos aos dois.
E eu aqui a ouvir Bach, imaginando caminhos, rituais, cenários. Viagei com você e comigo mesma por espaços preenchidos por uma infância que não é minha, mas que a tomo emprestada para cultivar algumas das minhas ilusões. Lembrei de uma menina de vestido rosa que foi ao casamento numa dessas igrejinhas de cidades provínvias e que não quis ir ao banheiro antes de sair de casa e teme dizer a mãe que precisa fazê-lo com urgência. Ela se contorce no banco da igreja ali ao meu lado, morde os lábios, apertas as pernas uma contra as outras e as vezes junta as mãos e reza e todos acham linda aquela fé infantil. Não lembro como a história terminou porque eu me cansei dos rituais e depois de algum tempo observando a tensão da menina, cansei-me disso também. Eu vivia no tempo dos cansaços onde tudo me forçava a suspiros constantes.
ResponderExcluirAcho que os mapas nos levam para diferentes paisagens dentro de nós, esse labirinto que muitas vezes nem os mapas conseguem interpretrar. rs
bacio
Lindo texto da Suzana, bonito mesmo. Parabéns aos dois!
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