sábado, 28 de janeiro de 2012

fluido

Sou o tinto do vinho
E a palha do ninho
Sou a mesa sob as cadeiras
E a busca de todas as maneiras
Sou o sossego do lar
E o desassossego multipolar
Sou o pão dividido
E o não oprimido
Sou a fúria do carnaval
E a leitura silenciosa do jornal
Sou o labirinto inexplicável
E a via mais viável
Sou o veneno que cura
E a dor contida na doçura
Sou o poema que rasga
E o silêncio que engasga 
Sou o grito da existência
E o perdão sem penitência
Era uma vez o que nunca fui
E o talvez que sempre flui




sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

amavio

Amavio significa encanto, feitiço
Deslumbramento puro e mestiço
Remete a amar, mar e  navio
Embarcação, embarcanção
Explosão iminente,
ao final do pavio.





quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

que nada !

Nunca me senti sozinho.
A paixão sempre me fez companhia.
Paixão por alguém, por algo, paixão invisível e aquela que eu via.
Por isso, minha paixão é contínua, ela segue lendo o livro, virando as páginas,
prefaciando cada capítulo.
E só capitula o marasmo, vencido pela vida que me convida a dançar com os segundos,
como sempre, os primeiros a chegar à festa.
Paixão errada?
Que nada!
Toda paixão é certa, mesmo que não seja exata.
Quando o coração desperta, a monotonia infarta.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

a corda

Levo em minhas mãos muitos grãos de poesia.
Quem sabe você acorda...
Trago mil perdões como você mesma não fazia.
Ao invés de amarrar, pula a corda.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

na tela

Ela não queria mais ficar.
Mas não suportaria vê-lo ir.
Ah! se tudo se consumasse ao falar.
E ela se consumindo por sentir.
Ele ficaria se quisesse mais ela.
Mas  não suportou ir vê-la.
Ah! se tudo se calasse que bom que era.
E se tivesse dado na telha simplesmente tê-la?

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

estrangeiro

Por que me engasgo tanto com o pranto que nem verti?
Como se tudo se resolvesse se acaso eu entendesse que foi a mim que eu perdi.
São tantos labirintos que tem dia que eu sinto que esqueci por onde entrei.
Ou será que a saída nunca esteve escondida e somente eu não sei?
Seduzo o tempo, mas só por um momento, para que ele me deixe passar.
Mas para onde eu irei, se também não sei dizer onde é o meu lugar?

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

viela

Quem diria que a encontraria numa viela?
Quem diria?
Nunca mais as vi,
nem ela, nem a viela.


terça-feira, 17 de janeiro de 2012

lágrimas e rimas

Mal conseguia ver teu rosto, coberto de sorrisos.
Nem era preciso ouvir os teus passos imprecisos.
Na tua boca, frases tão simples soavam diferente.
Em minha boca, um silêncio incontido nada frequente.
Relógios esquecidos,
elogios aquecidos.
A mão,
a contramão,
a harpa,
o harpão
fisgando lágrimas escondidas,
flagrantemente parecidas.

ali via

Por que há o medo onde amor havia?
Por que não há mais nada onde eu a via?
Se houver receita, quem avia?
Se houver caminho, onde está a via?

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

amor em voga

Amor é o que sentimos por pessoas muito especiais.
É comum afirmarmos que alguém é "o amor da minha vida".
Sentimento tão nobre está nas consoantes, mas sobretudo nas vogais.
As vogais unem e ensinam que amamos, mais que a um alguém, muito mais.

você

Você fala de tangências,
eu calo por urgências.
Você teme o retorno,
eu não tremo com o morno.
Você quer, mas...
eu quero mais.
Você ama o fim de tarde,
eu clamo que retarde o fim.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

assim mesmo

Sou uma criatura muito estranha.
Não bebo cerveja nem refrigerante.
Escrevo para mim mesmo,
ainda que não esteja distante.
Sou uma criatura muito estranha.
Sinto tudo simultaneamente
e sinto muito se eu sentir somente.
 

quadrantes

Não peço desculpas por ser quem sou.
Espio as culpas, não as expio, por isso vou.
Respiro o melhor da madrugada e acordo melhor.
Copio minha inspiração mais recente, por sabê-la de cor.
Não é certo que eu amanheça sempre desse jeito.
A esperança sempre encontra uma saída,
por mais que o caminho seja estreito.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

proposta

Interesso-me por tuas dúvidas,
pelas vias que não vês,
as questões que parecem aderir à tua pele,
a sede que não passa,
a fome intransitiva.
Traga-me as incertezas que te adotaram,
que estão aí desde sempre,
que frequentam teus murmúrios,
que enxergam na escuridão dos pensamentos
que não revelas.
Aguardo-te.

domingo, 8 de janeiro de 2012

eco

Inflação, recessão.
O mundo está são?
Queremos descer na estação
da felicidade.
Devedores, credores.
Mas quem são?
De onde vêm os fedores?
Para onde vão as dores?
Dívidas impagáveis, impalpáveis.
Qual a solução?
Dividas.
Dividas os saberes, os poderes.
Ocorre que o capital corre para aumentar
o produto interno bruto.
O que decorre?
Mais brutalidade.
Que o produto interno seja menos bruto.
Que seja ele o fruto
de mais fraternidade.

sábado, 7 de janeiro de 2012

diário de bordo

Meu barco quer navegar.
Devo hastear a bandeira da cor que invento,
até que o vento rasgue a tinta. Então, é sua
natureza quem pinta com os suores retintos
dos dias de mais verão.
Atracarei em cada um dos portos, que são 
seus poros, desembarcando luz em seus porões.
Imploro que não partas, até que sejam fartas as
ondas e canções.



tempero e temperança

O cheiro de cebola que leva os olhos da cozinha para
o mundo.
O segundo que traz o cheiro da vontade e da saudade
que se avizinha.
Nacos de canções condimentando o ambiente, temperando
meu hálito.
Hábitos condicionando as possibilidades, distribuídas
inesteticamente pelo corpo das paredes, esticadas
como redes.
Incenso, poeira solar, a memória das manhãs que não
cresceram, que se esconderam do tempo.
O templo adormecido, parecido com algo que conheço
e desacontecido como algo que pareço.
O parecer ignorando as regras e seduzindo a consulta.
A vida que exulta, diante do sorriso irreverente que atravessa
a morte e vai em frente.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

impreciso

Preciso dos ventos, dos movimentos incessantes.
Preciso do depois, do durante e do antes.
Preciso dos temporais, da força insana.
Preciso do que clama, da chama que incendeia.
Preciso da aldeia, para poder estar só.
Preciso da necessidade que salta da veia.
Preciso da teia, para então me libertar.
Preciso da falta, da ausência gritante, para poder desejar.
Preciso de um levante, do caos fecundo. 
Preciso de um instante, de um nada profundo.
Preciso de Deus, a cada segundo.
Preciso estar no mundo, mas dele não ser.
Preciso ter, para não precisar.

 

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

sem volta

Estou pensando em você.
Pensando sem pesar,
sem apesar.
Apenas pensando,
mesmo não havendo quando,
ainda que volta e meia
eu volte
para o mesmo pensar.

domingo, 1 de janeiro de 2012

o gosto

Foi preciso reunir as três primeiras horas de janeiro,
para que o sono me abraçasse. É estranho selecionar
sonhos na fronteira entre dois anos. Pegadas apagadas,
algumas apegadas aos mesmos pés, que escreverão
rotas, frotas de esperanças riscando o céu, teto de todos.
Pouco antes das dez da manhã, a primeira manhã de 2012,
decidi correr, a primeira corrida de 2012. Encontrei rostos
lavados, rostos suados, rostos cansados. Encontrei o rosto
da minha manhã. Encontrei o gosto da minha manhã.