quinta-feira, 29 de setembro de 2011

acontecendo

Você está tão em mim,
que já não me despeço

Se tentar separar,
me despedaço

Por contar com você,
eu aconteço

Não entrego ao destino,
eu mesmo faço.




quarta-feira, 28 de setembro de 2011

eu e você

Envelhece minha saudade, para que nasça nova.
Vista meu desejo, para saber se ele cabe em você.
Esperança não faz vestibular nem se comprova.
A verdade da gente só a gente vê.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

pedido

Perdi-me em teus bosques.
Preciso que me busques.

persona

Quando caem as máscaras,
vemos as más caras.

à beira

Nunca faça sem querer. Queira, desde a beira do fazer.
Venha sem pressa, mas venha à beça, que a flor começa a nascer.
Lambe minha presença, que a alma pensa e o corpo sente.
Que nada seja à toa, pois a vida só destoa quando o sonho está ausente.

domingo, 25 de setembro de 2011

descoberta

Perambulo por teu corpo, sem itinerário preciso.
Acelero nas curvas, freio nas retas, quase perco a direção.
Toco em tua mão, pensando que é minha, pois eu já sentia
o que estava por lá.
Contemplo sorrindo a manhã descoberta, que sempre desperta
no mesmo lugar.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

olhar

Teus olhos beijam minha boca
e levam todas as palavras
que eu não consigo dizer
As levadas letras eletrizam teu olhar
com rimas alucinantes
e por alguns instantes sinto tudo estremecer
Meus olhos desembocam em teu sorriso
e nem sei se é preciso
algo mais acontecer.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

trato

Vamos fazer diferente!
Dormir no telhado, ao seu lado,
sobre centelhas.
Vamos fazer diferente!
Acordar todo mundo, no sábado,
a tempo de bisbilhotar estrelas.
Vamos fazer diferente!
Dar bom dia ao indigente
e um prato de comida.
Vamos fazer diferente!
Lembrar que a mudança é urgente,
façamos um trato com a vida.




segunda-feira, 19 de setembro de 2011

a jornada

O dia mergulhou na lua, rendido aos seus encantos.
E ela, narcísica, ficou cheia de si. Farto da falta,
o carro escancarou as portas do caminho,
afugentando as folhas que cochilavam pelo
chão, habituadas ao desuso. Atiradas nas margens,
exclamaram confusas: mas que abuso!
Saltitando nos espelhos, luzes furtivas que furtavam
a distração. Curvas sedutoras, retas indolentes e
pares de olhos mecânicos a piscar, riscando a visão.
Indiferente a tudo, no colo do breu, um andarilho.
Qual será o seu destino, no meio desse nada?
Lerá ele jornais? Haverá neles alguma menção à
sua jornada? Que nada!
E qual será o meu destino, ao final dessa estrada?
Haverá trens, haverá trilhos, haverá rios para nadar?
Choverá nessa horta? Quem viver, verá.


domingo, 18 de setembro de 2011

acaso

O desejo não adivinha. O desejo advém.
Não vim porque convinha. Eu vim porque tu vens.

sábado, 17 de setembro de 2011

novos dias

Já pedi aos dias que passassem e eles me amarrotaram.
Agora eu os visto à minha maneira.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

iogurte existencial

Ela: está tudo bem?

Ele:tudo é muita coisa.

Ela:  o que está bem?

Ele: na equação do bem-estar de Joyce, a mente deve estar quieta,
       a espinha ereta e o coração tranquilo. Falta contemplar as extremidades.

Ela: e o que completa as extremidades?

Ele: a quietude e a tranquilidade.

Ela: e qual é essa tranquilidade que falta? Como ela é?

Ele: quando eu descobrir, estarei mais perto de alcançá-la.

Ela: o que te falta?

Ele: sobra falta.

Ela: de que? Fala pra mim.

Ele: aconchego. Desacontece quanto mais eu creio que chego.

Ela: e por que não o tem? Por que não encontrou?

Ele: talvez eu não tenha sido encontrado.

Ela: onde está errando?

Ele: estou errante.

Ela: não quer mudar?

Ele: sempre mudo, mas não me calo.

Ela: o erro pode estar aí!

Ele: em não calar? Ou devo emudecer a mudança?

Ela: dê-se uma oportunidade de ser feliz, é tão simples!
      Como diz uma amiga, as pessoas não se permitem mais ser simples, não comem
       iogurte com o dedo...

Ele: mais iogurte nos dedos e menos dedos nas feridas.

Ela: você é infeliz? Qual o seu trauma?

Ele: (risos) não sou infeliz, sou por um triz. Não tenho mais trauma, mas tenho alma demais.





quinta-feira, 15 de setembro de 2011

alimentos vivos

Cuide bem da sua aorta.
Amor é o alimento mais natural que existe.
Quanto maior o consumo, mais estará disponível.
É orgânico e de graça.
Pode ser servido a qualquer hora.
Suas sementes germinam rapidamente, em qualquer ambiente.
Conserve-o em local arejado e ao alcance das crianças.
Ame sem moderação!
Se for dirigir, ame. Se não for, também!


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

empatia

Não faço estilo. Enfio os pés pelas mãos e mesmo assim
tenho pés para correr e mãos para socorrer. E não as lavo,
por isso não há nelas o odor da neutralidade.Tomo partido,
porque meu coração também é assim partido, por tantas
partidas. E não se ganham todas elas. Se me perdi até de
mim, por não estar no mapa, por dar a cara a tapa, embora
goste de empate, quando o assunto é empatia.
Minha alma está sempre no estio. Ela sua, escorre para dentro
de si mesma. É vulcão que não se extingue.É estilingue que
arremessa possibilidades na vidraça do silêncio.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

senti

A gente ri e chora.  A gente se esquece da gente e da hora.
Será que nunca mais será agora?
A gente ri e chora. Muito embora tenhamos ido tão embora.
Amor, amor, amora.
A gente chora e ri. Mas sem você não há mais aqui.
Cactus, cactus, caqui.
A gente chora e ri. No entanto, ainda há tanto de ti.
Sem ti, sem ti, consenti.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

colesterol da alma

Qual a estética da felicidade, quais são as medidas do bem estar, do estar de bem com a vida?
Se acreditarmos em todos os mitos que a ideologia dominante cria, seremos presas fáceis
dos males contemporâneos: ansiedade em demasia, autoestima oscilante, depressão.
Basta um descuido e nos transformamos em seres amorfos, quase plastificados.
Pessoas não são produtos fabricados em série, idênticos, padronizados, identificados por 
uma etiqueta. Não estão (pelo menos, não deveriam estar) à venda. Nem com vendas nos olhos.
"Secar" parece ser a palavra de ordem.
Mas que isso não valha para a consciência, senso crítico e respeito por si mesmo e pelos outros.
Estamos nos habituando, perigosamente, à magreza de valores, submetidos
a uma ética esquelética, definida pela "lógica" perversa e duvidosa da aparência e da conveniência.
Sejamos inconvenientes, aparentemos ser...o que realmente somos: humanos!
Vamos colocar na balança o que tem mais peso: dignidade, liberdade e solidariedade, por exemplo.
Engordar somente a conta bancária? Cuidado, colesterol também afeta a alma!

ingenuidade

Quero minha ingenuidade de volta!
Restituam-me o direito de sonhar a qualquer hora.
Devolvam-me as madrugadas e as estrelas sobre as calçadas.
Alimentemos as bocas de sorrisos e de motivos para beijar.







quinta-feira, 8 de setembro de 2011

mania

Não me peçam que me renda aos perigos que nos rondam.
Cheguei antes das ciladas e das luzes apagadas.
Acredito que as ruas são casas de portas nuas e janelas escancaradas.
Recuso-me a blindar minha identidade. Prefiro brindar às frágeis e suaves
eternidades. Abdico da pose patrimonialista, apossando-me somente do
que me pertence: meus devaneios e desatinos.
Só preciso de ar, para respirar e para voar. Não tolham meu espaço,
embora eu não coloque cercas. Escolham o que quiserem, mas não esperem
que os siga. Há quem diga que liberdade não se mendiga. Sou um deles.
Minhas palavras não saem por encomenda. E possuem uma irreverência que
não se emenda. Sou próximo dos que se aproximam, sem que se eximam da
distância. Só não tolero intolerância e mesquinhez. Não sou dono da verdade,
muito menos da mentira. E a mania de amar...ah! essa ninguém me tira.

um minuto

Um minuto de silêncio, em homenagem à vida.
Festejemos a descoberta de uma jazida de esperanças.
Escolher o melhor silêncio, para poder ouvir a voz do coração.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

forrest gump

Hoje eu me lembrei de que me lembro todos os dias.
Déjà vu cheio de novidades, pois são muitas as viagens.
Retrospectiva antecipada, bem antes de dezembro, mas
acontece que os ciclos começam e terminam a qualquer momento.
Passa um filme enquanto caminho, em que vejo tantos de mim,
todos que fui e que ainda sou. Recorto as lembranças de cada um,
só para poder tocá-las, como tocaria um sax. Confesso que todos
me proporcionam sorrisos e um gesto imperceptível de gratidão.
O libertário, o eremita, o panfletário, o Quixote, o cigano com
todos os seus enganos, o andarilho. Músicas eu as ouço e elas me
dizem o que preciso ouvir. E o tempo, esse cara muito louco, um
forrest gump que não consigo seguir!

terça-feira, 6 de setembro de 2011

lixo extraordinário

Como é que pode? Quantas vezes exclamamos a surpresa, perplexidade diante
do que nos parece absurdo, incompreensível. Por mais voltas que o mundo dê,
remanescem motivos para estupefações, dessas que deixam a boca aberta, só
que por uma fome inversa, ou seja, a necessidade de colocar para fora, extravasar.
E a vida é causada, provocada por fomes. São as lacunas que impulsionam. O que
nos move são apetites. É a saliva da ousadia que anuncia os desejos, os saltos na
escuridão do novo. São as marés infinitas da curiosidade inata, trazendo e levando
coisas, influências, possibilidades, vontades. Verdades que colhemos como conchas
e que apodrecem, se não dermos vida a elas. Uma verdade inerte sofre a metamorfose
oposta, de borboleta à lagarta. Perde as asas, desaprende a voar, não serve para nada.
Movimento é o combustível de qualquer transformação. Idéias, sentimentos, emoções
são nômades por natureza, indomáveis. Só assim renovam-se, mantendo-se vivos e
funcionais. O ar precisa circular, a existência deve ser vascularizada, para que exista.

Como é que pude? Agora, questionamos os nossos próprios atos. De onde veio esse
desatino? Pergunta-se a criança de qualquer idade.  Ora, tudo vem do mesmo lugar,
da mesma fonte. Alimentamos o dia de hoje com o de ontem. Requentamos o pão, o
não. Empreendemos as mesmíssimas fugas, os velhos estratagemas, transformados em
algemas. Somos prisioneiros dos medos que inventamos, das tolices que inventariamos
periodicamente e que nos mantêm atados a crenças imobilizadoras. Imobilidade é a
antítese do movimento. Almas imóveis são presas fáceis de problemas muito difíceis de
resolver. A não ser que resolvamos sacudir a poeira do passado, amarrotando tantas
mazelas inúteis e dando a todo esse entulho o destino que merece.

domingo, 4 de setembro de 2011

Vi duas vezes

Da varanda, dava para ver o mundo. Será que o mundo nos via?
Amanhecia tudo ao redor, a  própria manhã, a imprópria ilusão e nós.
Nossos olhos no mar e o mar nos teus olhos.
O pão chegando e o roupão se despedindo. 
A fome sem nome, pedindo para ficar, sem se fazer entender.
Um barco, ao largo, compondo o silêncio, mas querendo falar.
A varanda tão imensa quanto o  mundo, quanta falta de senso ir embora.
Muito embora tudo deva passar.
E o barco, onde estará?
Na parede da memória ou na história de outro lugar?

salud

Um brinde ao que permanece!
O primeiro beijo, mãos que se encontram
na contramão, o Sol penetrando a montanha
à luz do dia,  o calafrio gostoso no meio da noite,
o abraço que diz tudo, o desejo que não cala nada.
Vida longa às efemeridades!

sábado, 3 de setembro de 2011

natureza

Existe algo em cada um de nós a que podemos chamar de "natureza"?
Os naturalmente pacientes ou impacientes, acomodados ou incomodados,
protagonistas ou coadjuvantes, tímidos ou espalhafatosos, formadores de
opinião ou neutros.
Não sei se nasci com essa ou aquela natureza. Minha memória alcança um
garoto tímido, que reunia palavras em qualquer pedaço de papel e colegas
para jogar futebol, em qualquer pedaço de calçada. Esse menino que visito
de vez em quando, como se entrasse num museu do tempo, adorava aprender,
não colava, mas sua alma calava diante do desamor. Ele não entendia a dureza
do olhar e do falar, a intolerância dos adultos, o dialeto estranho dos insultos.
Recorria sempre às imagens poéticas para enfrentar situações inestéticas, como
portas fechadas e becos aparentemente sem saída.
O moleque cresceu e se pergunta se a tal natureza mudou ou se alguma coisa
ficou, de lá para cá.
Será a tal natureza que torna a vida tão urgente? Por isso a imprescindibilidade
de amar tanta gente?
Temor e amor não precisam estar juntos,  mas dissociá-los remete paradoxalmente
ao que se intromete em toda relação - a separação. E como é difícil compreender
que o perto se distancie, que o diálogo silencie, que o calor esfrie tanto.
Quantas vezes as portas se fecham e as saídas desaparecem dos becos! E voltam
os ecos! E retorna o menino, com a tal da "natureza" debaixo do braço, sem querer
ser refém, buscando um hífen que o leve bem mais além, bem mais leve!