segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O medo do medo

Que texto inspirador o "Congresso Internacional do Medo" , de Drummond.
Pois bem! Vivemos a era dos medos. Medo das esperas, das peras e maçãs 
envenenadas. Medo da massa. Medo do nada.
Medo da esquerda. Medo de merda. Que está por toda parte, subjugando a arte.
Temos medo do mal. Temos medo do bem sem rótulo.
Trememos diante do conhecido e do desconhecido.
Medo de que nos levem algo. 

Mas onde está o medo de que nos transformemos em algo?
Medo do fim. Medo dos meios. Medo até dos princípios - e se eles mergulharem em precipícios?
Céus! E se desenvolvermos o medo do recesso dos receios?
Nesse louco panorama, não me surpreendo com os sintomas locais.
Mas confesso meu imenso medo das soluções universais!

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Saudade adjetiva

Saudade é mais que um sentimento, é uma poesia recitada todos os dias e, ainda assim, sempre é ouvida com algo diferente. Saudade é isso: um infinito de repente!

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Parece, mas não é

Arbitragem não combina com arbitrariedade
Política é diferente de politicagem
Saci não tem nada a ver com saciedade
Beleza é muito, mas muito mais do que imagem

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Aos encontros!

Mil vivas aos encontros fortes, apesar de tantos desencontros fortuitos.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Pecado e virtude

Nossa, que pessoa impecável! 
A casa dela é perfeita! 
Aquele time é imbatível, todo certinho!
Frases como essas causam-me comichão. Palavras da mesma tribo de impecável, perfeita e certinho provocam-me engulhos.
Ninguém é impecável. Todos pecam. E se não o fizessem, certamente, seriam muitíssimo chatos.
Uma casa perfeita remete-me à ausência de aconchego, naturalidade. Casas gostosas preservam o movimento das pessoas e coisas que a integram.
O time imbatível assim o é até que outro o supere. Além disso, desejo que meu time fuja das fórmulas matemáticas, afaste-se da previsibilidade, nutra-se de improviso e intuição irreverentes.
Pessoas, moradias, grupos sociais serão tão mais interessantes quanto apostarem na flexibilidade, acariciarem as circunstâncias e compreenderem os idiomas dos ventos.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Sem açúcar e com afeto

Nos anos 80, alternativos falavam em alimentos naturais, orgânicos, sem agrotóxicos. Aqueles seres estranhos curtiam meditação, afastavam-se de refrigerantes e de tudo que continha açúcar refinado. E olha que não era fácil rejeitar uma Coca-Cola, um milk-shake, um cachorro-quente, com bastante molho, mas tanto que transbordava da embalagem e pousava na mão da gente.
Somos o que comemos, diziam os bichos-grilos de então.
Mas essa filosofia de vida restringia-se aos macrobióticos, aos hippies, às tribos remotas que ainda acreditavam em paz e amor. Chegou o século 21, com a tecnologia no colo, inclusive a que facilita o acesso às informações, democratizando-as. Com um pouco de paciência e bom senso, consegue-se separar o joio do trigo. O que me intriga é a teimosia de muitos de nós, ao insistirmos nos velhos vícios alimentares, no consumismo alienado, entorpecidos pela propaganda e pela praga da Maria que vai com as outras. Somos o que ingerimos com a boca e com a mente.
Carboidratos secundários (açúcar refinado como grande vedete da companhia), farinhas (inclusive a integral), legumes, verduras e frutas não orgânicas são predadores temíveis. E eles têm amigos fiéis (a eles): o estresse continuado, a ansiedade crônica, o catastrofismo mental, que produz crenças fragilizadoras, capazes de nos desestabilizar e adoecer. O que envelhece não é a coleção de primaveras, mas a degeneração, traduzida em patologias físicas e mentais. Precisamos despertar o quanto antes, rever nossos conceitos de bom, gostoso e saudável. Para quem admira a arte da culinária, há pratos saborosíssimos, que acariciam nossa homeostase. É fácil romper com dependências, com hábitos de décadas? Certamente, não. Mas vale a pena.
A exemplo de tudo nesta vida, mera questão de escolha.
Que vida queremos viver?
Que tal colocarmos a nossa assinatura em nossas existências?

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Uma criança chamada verdade

Fatos e versões. Há quem nutra aversão às versões. Há quem considere fatos meras diversões. A História é escrita, de início, pelos "vencedores", que a ela atribuem seu paladar. É o que eles têm para dar - suas versões. Em versos ou prosas, muitas vezes precisamos suportar os espinhos, até que toquemos nas rosas. Quando o Império Romano usurpou povos, roubando-lhe seus bens, o mesmo mal foi vertido em livros que definiram a barbárie como "expansão do Império Romano". Mais tarde, diante da reação dos invadidos, que buscaram retomar o que lhes fora subtraído violentamente, os mesmos autores denominaram a insubmissão das vítimas como "invasões bárbaras". O golpe militar de 1964, no Brasil, foi apelidado de "revolução", até que a tortura, o silêncio, o medo, o sadismo fossem superados, possibilitando que a História fosse reescrita, com outras letras e outro enfoque. É fato que legislação e justiça nem sempre se encontram na mesma esquina. Tanto assim, que a escravidão estava sob o abrigo da lei, embora fosse (como continua a ser) uma monstruosidade.
Fatos e versões. Um vastíssimo e bravio oceano de emoções e motivações que condimentam atos, elevam inimaginavelmente a temperatura do prato, dificultando por algum tempo a digestão.
Enquanto isso, estarão vigorando a fome e a sede de verdade, esta encantadora criança, cuja paternidade muitos irão disputar.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Veias, vielas e velas

Se as veias do porão ficam salientes,
desvio desse caminho em um caminhão de entrementes.
Se as vielas dos sonhos parecem estreitas,
eu as lembro para que foram feitas.
Se as velas dos sorrisos começam a sucumbir ao vento,
busco chamas mais fortes e, se não as encontrar, invento.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

No telhado do mundo

Quero morar num sítio, às margens de uma metrópole.
Quero deixar a imaginação arisca, arriscar, sem dar mole.
Quero fazer piquenique no telhado do mundo, sem pagar pedágios.
Quero ejacular utopias que fecundem gratíssimos presságios.
Quero erradicar a lama fétida da desigualdade e do preconceito.
Quero viver da melhor maneira possível, ou seja, do meu jeito.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

O sentido da estrada

Acidente na estrada. Sessenta minutos, mais ou menos longos, ao longo da via. Longos demais para o ímpeto de chegar ao destino e angustiantemente breves para quem deseja detalhes do provável desatino. Sirenes, veículos trafegando pelo acostamento, levando suas ansiedades, que sacolejam bem juntinho a medos camuflados.
Alguns lamentam o que mal conseguem ver, outros exultam em constatar que nenhum parente foi vitimado. Mais que isso, celebram a própria sobrevivência, nesta insólita BR3, em que se corre e se morre, em todos os sentidos. Seja como for, a estrada prosseguirá e isso faz todo o sentido.

Quase muito

O bar quase fechado, o ar quase pesado e um homem quase sentado, com seu copo de aguardente. 
O garçom muito cansado, um guardanapo marrom muito amarrotado, com um pedaço de poema dissidente. 
O bar muito pesado, o ar quase fechado, o garçom quase sentado e o homem muito amarrotado aguardando algo ardente.