domingo, 29 de dezembro de 2013

o interior da capital

E me deixei ao vento feroz, para que tudo aquilo que não tivesse ao menos um quilo de talvez
fosse levado para não sei onde.
E me entreguei aos labirintos, para esquecer todas as saídas
conhecidas, onde o nada se esconde.
E me fartei de jejuns, para provar o néctar do desejo original.

E me afastei dos comuns, para conhecer o interior da loucura capital.

desejo aos desejantes

Que haja flores, por onde fores. 
Que haja amores, onde mores.
Que haja cores e que tu decores os mistérios da vida,
para que seja mister teu encantamento.
Que cada momento que chegue aconchegue teus
propósitos e, de propósito, divirta teu rosto com
o gosto das mais deliciosas descobertas.
Que tua alma esteja aberta, pois a magia sempre acerta
o alvo desejante.
Que o melhor da festa seja a cada instante.
Feliz 2014!!!!

sábado, 28 de dezembro de 2013

a melhor viagem

O melhor da viagem, mais do que a chegada, é o caminho.


E a melhor viagem, que deixa a alma aconchegada, é a


partir do carinho.

otimismo

Há em mim um otimismo bobo, completamente desprovido de provas,
puro vapor. Ele vai por aí distribuindo sorrisos, até para quem não sorri.
Sorry, meu otimismo nem sempre usa óculos e, por isso, às vezes tropeça
numa pedrinha desavisada. Rala os cotovelos, justamente por onde fala,
mas nem assim ele deixa de insistir.

Otimismo teimoso, resiste aos fatos. Com arte e sem artefatos, respira fundo
e retoma o texto, sem pular uma só palavra e mantendo contato com a platéia.
E mesmo que ela seja atéia, ele relata tanto milagre, que chega a dar vontade
de ficar bem juntinho dele.

arqui tetos

Minhas ambições são mudas que emitem sons. Pedidos quase perdidos,
resgatados pelo grande arquiteto. Sonhos de olhos arregalados, que se
espalham por todos os lados, ignorando o exceto.

reinventando a roda

Bem que podíamos reinventar a roda. Ela andaria somente para a frente, passando por cima de pedras e de tolices. Escalaria montanhas de dúvidas, preservando-as, por amor
ao esporte. Anfíbia, seria capaz de surfar altas ondas e retornar à terra firme, sem morrer na praia e sem fugir da raia.
E nada de registrar patente, pois a nova roda, de tão potente, pertenceria a todo mundo
que nela se equilibrasse.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

a arte da vida

Dizem que a vida é a arte do possível. Sei lá. Tenho suficiente apreço pela vida para evitar afirmações tão dúbias. Entendo por possível o limite conhecido, a fronteira com o insondável, o último passo até chegar à porta que não se consegue abrir, a escuridão que
se crê invencível.
A vida é arte. Só isso. Com seus traços geniais, criando cores e formas inconcebíveis, traduzindo o que nem é dito, redefinindo o infinito, misturando incompatibilidades, a ponto de tonteá-las, variando temperaturas anarquicamente, propondo a dança das cadeiras com a teoria e a prática. Quem permanecerá de pé? O coração, que não é bobo, prefere outra brincadeira e sai, pé ante pé, em busca do rio que não dê pé, para nele mergulhar depressa. Afinal, sem essa de ficar torrando à toa, tornando-se trapo, para que o rato roa.
Talvez possamos dizer que a arte dá vida ao impossível. 

Se assim for, vivamos com arte, seja lá como for.
E, cada pra nós, aí fica muito mais divertido.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

bocaboca

Bater boca?
Só se for uma na outra.
Com a suavidade das asas da ave no vento
e com a voracidade dela, quando mergulha
no mar, em busca de alimento.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

as rosas e os espinhos

"A rosa apaixonou-se pelo cactus, pois compreendia seus espinhos".
Compreender espinhos é o exercício mais sublime para todos que
desejam o melhor desejo. 
Compreender espinhos é uma boa síntese para o significado do Natal,
pois o ato de nascer traz consigo estranhamentos e desconfortos que

só podem ser superados com a prática suave do acolhimento, da inclusão,
da aceitação fraterna.
A rosa não se espanta com os espinhos do cactus, pois reconhece neles a
proteção e não a iminência da dor.
Espinhos e rosas aprenderam a conviver em paz, sem disputas territoriais,
nem comparações maliciosas.
As rosas não se vangloriam, diante dos espinhos, da beleza de suas cores, da
suavidade de suas pétalas, da sedução de seus aromas.
Por isso, elas se tornam mais belas, suaves e sedutoras.
E os espinhos cumprem seu papel dedicadamente, sem um único arranhão.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

loucuras paralelas

Loucuras paralelas, para lê-las com os olhos fechados, pois as letras estão escritas dentro da gente. Loucuras gêmeas, que gemem da mais louca alegria. Loucura curativa, que estanca o que angustia. Loucura companheira, que da solidão só mantem o sol. Loucura que é mãe e pai da mais iluminada (com)paixão.

abracadabra

Ano feliz, de novo!
Sim, 2013 (que sequer fechou suas portas, ainda) deixará muitas lembranças.
De suas mãos, vieram dádivas, ávidas, cheias de vida. Dúvidas foram suturadas,

sem que outras fossem inibidas. Dívidas só de gratidão, sem promissórias nem
promessas, do tipo "aqui se diz e aqui se faz".
Dois mil e treze ensinou-me muitas coisas, abriu minha temporada de reflexões
mais apuradas, inflacionou o mercado de esperanças, aquietou algumas tolices.
Um ano e tanto, tântrico, mântrico. Ora paciente, como a arte do tricô. Ora intuitivo,
como as cartas do tarô. Sinuoso, mas apontando permanentemente para a frente,
para o novo. Colocando ovos a serem chocados aos poucos, a fim de evitar choques desnecessários. Tornou o necessário prazeroso, amadurecendo o prazer, de modo a ser colhido e não encolhido ou engolido pela ansiedade voraz.
Dois mil e treze ensinou-me a acreditar no imponderável, a relativizar o razoável, a
respeitar o inflamável, a apostar no improvável, sem querer provar nada, para ser
capaz de saborear o admirável.
Abracadabra é a palavra que dedico a 2013. A magia sutil esteve e ainda está no ar,
na terra e no mar de possibilidades, tão reais quanto nós e nossa infinita capacidade de desatar todos os nós.
Acreditem, somos sóis e é somente por isso que nunca fomos e nunca seremos sós.
Meu abraço, longo e sentido, a este ano que rejuvenesceu meu olhar, que fez de cada
singular momento o meu lar.
A todos vocês, meus votos de que 2014 seja um ano campeão, generoso em conquistas, dessas que duram mais que noventa minutos.
Meus votos de que nossos votos sejam capazes de eleger sonhos que não se convertam em pesadelos, pela compreensão de que é o sonhador quem interpreta e realiza seus próprios sonhos.
Que principie a construção de um mundo sem príncipes avassaladores e sem vassalos, em que haja mais Deus que deuses. Um mundo em que não se compre tudo e no qual exista mais compreensão.

sábado, 21 de dezembro de 2013

felicidade clonada

Felicidade, no passado, era um estado de alma, um estar em calma que alcançava territórios imensos, antes de tocar o corpo. Tratava-se de algo que acometia todos os mortais, como se fosse uma chuva torrencial penetrando os orifícios da terra, um soberbo ofício que anjos praticavam generosamente, em prol dos humanos.
Contemporaneamente, felicidade deixou de ser presença, para se transformar em ausências: de angústia, de ansiedade, de frustração. Criou-se a felicidade química, anunciada em receituários e vendida nas melhores lojas do ramo.
Assim sendo, há advertências na bula, efeitos colaterais, dentre eles a perda da possibilidade de ficar triste. Que tristeza! Felizes o tempo todo, a toque de caixa (após passar no caixa das drogarias), somos cobaias de nossos medos, presas muito fáceis para fantasmas recorrentes, que já nem precisam mais de correntes para nos assustar. Mas integramos a bizarra corrente dos contentes, Polianas pós-modernas, a ostentar sorrisos clonados. Quem sabe, um dia, tenhamos acesso aos sorrisos siliconados.
Felicidade por decreto é o caminho mais reto e, portanto, mais curto para promover um curto-circuito em nossas emoções, deixando-as a mercê da indústria da superficialidade, do prazer tirânico e banalizado, com que nos conformamos em buscar cega, tola e avidamente.
Reivindico o direito de não estar sempre nas nuvens, como único caminho válido para suportar a felicidade que incide naturalmente sobre nós e coincide com o que há de mais autêntico em nossos corações.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

o fu(tu)ro

No presente há um pequeno furo

por onde passa, de gota em gota,


todo o futuro.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

viu?

Sejamos capazes 
de perceber a beleza sutil
Que não nos doa
doar o que já nos serviu
Pois o que atordoa
é alimentar o medo servil
Fundamental
é apenas ser, viu?

de mim

Há sentimentos que, de tão gigantescos, mal cabem no peito. Uma parte deles escorrega do coração e chega às mãos, aos braços, aos olhos, aos dedos que
tateiam, em busca das emissárias mais precisas, que possam traduzir um pouco
dessa multidão de emoções que se acotovelam no território encantado do lado
esquerdo da gente. 
Há sentimentos que chegam a doer, de tão vivos. Eles falam o idioma único do
bem querer incondicional. Tais "querências" exalam o aroma das estrelas, das luas, dos sóis, de tudo quanto é mais autêntico, inconfundível e eternamente eterno.

aos que amo


A vocês, que abrem meus olhos e entregam a eles as maravilhas da paz
A vocês, que fecham meus olhos e me permitem ver-me tão melhor
A vocês, que colorem minha vida, como mais ninguém faz
A vocês, cujas essências eu reconheço e recito de cor

A vocês, eu dedico todas as manhãs e os amanhãs
A vocês, que dão sentido às minhas utopias vãs
A vocês, tudo do pouco que eu juntei
A vocês, que significam tudo que eu mais amei

preferencial

Vamos sair por aí, sem medo de não chegar.
Sem destino, sem tino, com o repentino prazer de voar.
Vamos sair pela frente, sem disfarces, exibindo todas as faces da irreverência.
Íntimos dos becos, dos ecos que às nossas mais deliciosas travessuras dão sempre preferência.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

seda

Eu quero que a chuva caia
e que ela me atraia
até me inundar
Eu quero que o raio parta
para muito longe,
sem querer voltar
Eu quero que o tempo se arraste
e mesmo que não baste,
vou aproveitar
Pois sei que tudo é imensamente frágil
e o pensamento é ágil
para imaginar
E por falar em imensidão,
o meu coração não quer se lotear
Eu olho em toda a direção
e só encontro um ponto sem desapontar
Por todos os meus descaminhos,
enfrentei moinhos
sem os derrotar
Espero que a noite ceda
e a madrugada, feito seda,
possa te enfeitar.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

compreensão

Eu me maravilho com o oceano.
Mesmo sabendo que ele guarda afogamentos,
naufrágios, marés, correntezas, perigos.
Por que eu não seria capaz de amar pessoas?
Eu me deslumbro com a noite.
A despeito da escuridão, das sombras,
dos medos imaginários e reais.
Por que eu não seria capaz de me amar?

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

locatários

Há coisas que não se explicam. O amor e a dor que sentimos, as manias, as superstições, as intuições. Tudo isso desenha ângulos de nossas almas, o que somos em águas rasas e nas mais profundas. Para que tentar explicar? Poucos entenderiam ou tenderiam a fingir que entendem, só para agradar. Acariciemos nossos avessos, que eles se tornem tão travessos que provoquem boas risadas. Abracemos tudo que reside em nós, nossos insólitos locatários, ao menos uma vez. Sem qualquer critério nem exaustivas racionalizações. Afinal, estamos a passeio e as férias só começaram.

no mesmo lugar

Eu irei lá.
Não por fotografias ou pela grafia da ilusão.
Irei pelas próprias pernas, que se farão quase asas, que serão como casas,
para me salvar das distâncias e das ânsias que brotam de cada escuridão.
Eu irei lá.
Mas sem levar aqui na mochila.
Tentarei estar vazio do que fui e aberto ao que flui, para que isso me encha sem
transbordar, bordando em mim leitos de rio em que poderei repousar.
Eu irei lá.
Livre de mapas e roteiros.
O próprio caminho será como um mosteiro sem paredes, o meu teto e o meu
chão.
Quando chegar lá,
não olharei para trás nem para a frente.
Terei encontrado, finalmente, o princípio e o fim juntos, no mesmo lugar.

sábado, 30 de novembro de 2013

apreço

Não se compra uma mulher com um diamante.
É o amante quem precisa levar brilho aos olhos dela, noite e dia,
muito mais que uma pedra.
Não se compra uma mulher com um avião.
A mulher pode ir bem mais alto, sem sair do chão.
Não se compra uma mulher com promessas.
Não há mais mulher que não meça prós e contras e que acredite eternamente em faz de conta.
Não se compra uma mulher que não se vende.
Vender-se e vendar-se transformam mulheres em coisas, que têm preço; amar uma mulher exige apreço.

perdão

Perdão não significa uma imensa perda.
Ao contrário, ele restabelece o equilíbrio, lustra os brios da alma,
distribui entre ela e o corpo lufadas de paz e leveza.
Perdoar é doar, a si mesmo, os benefícios da humildade e da compaixão.

volto já

Vou ali e já volto. 
Mas só quando puder ver o silêncio das noites abraçado à ternura das manhãs.
Vou ali e já volto.
Até que pelo menos algumas de minhas utopias não sejam vãs.
Vou ali e já volto.
Aguardarei na estação o retorno da ingenuidade, libertada do exílio.
Vou ali e já volto.
Quando o conhecimento for tratado como um filho.
Vou ali e já volto.
Darei umas voltas ao redor da ignorância.
Para que ela fique tonta e se redima com elegância.

com arte

"Se vai acontecer ou não, é só deixar o tempo te dizer".
Mas não custa nada dar um empurrãozinho, não é mesmo?
Afinal, os anjos dão um duro danado e bem que podemos contribuir.
Além do mais, algo me diz que o futuro está sempre acontecendo,
tecendo em nós as palavras e os gestos que nos trarão aconchego.
É como se nos dissesse, bem baixinho: eu já chego mas, até lá,
façam a sua parte e, de preferência, com arte.

real

Eu devia pagar onze reais. Entreguei uma nota de vinte. A moça perguntou se eu tinha um real. Entreguei a moeda. Ela, então, estende-me uma nota de vinte, talvez a mesma que eu acabara de passar. Devolvo, dizendo que havia pago exatamente com uma cédula de vinte reais. A atendente olha-me perplexa e, sem uma palavra, dá o troco correto.
Será que o senso comum desconsidera a possibilidade de alguém ser apenas honesto?
Leve-se em conta que honestidade não deve ser considerada propriamente algo elogiável, digno de estardalhaços. Não ser desonesto deveria ser decorrência natural da formação educacional, um retrato em preto e branco daquilo em que se acredita.

ímpar feição

É preciso peito para amar o impreciso.
Há que ter muito tato ao realizar o contato inventivo.
Uma boa dose de sorte para encontrar o defeito perfeito.
Mas, depois disso, é festa, não tem outro jeito.

F5

Pressionar a tecla F5 nos conceitos
evita a chegada de um futuro antigo.

escutatória

Faço uma opção, ao menos transitória, pelo simples, pelas expressões minimalistas.
Lanço olhar atento sobre entes que não precisam competir. Aqueles que protegem suas competências com o silêncio de suas ambições. Embora as tenham, mas não as predatórias. Oratória, por ora, só se for para orar, prescindindo da boca. Cansei da palavra oca.
A "escutatória" é a arte que me seduz e envolve. Tenho ouvido mais e resolvido menos. Poupando-me de achismos, para finalmente me achar.

arbitrário

Pensamento arbitrário,
que faz tudo ao contrário,
só pra te provocar.
Será necessário
exercício diário
pra te contrariar.

carne viva

Eu quis muito ser filho.
Até fui, mas só por um fio.
Sobre esse fio eu andei, às vezes devagarinho, outras vezes voando, mas sempre temendo cair.
Não havia rede, nem proteção, a pele toda eriçada, tão distante dos poros, querendo sair.
Em carne viva, dei vivas à carne, que tanta falta me fez.
Um dia, entendi que o melhor banquete só se reconhece na ausência da fome, talvez.
Pai eu quis muito ser.
E sou, mas demorei um pouco para entender.
Foi preciso ouvir mais e melhor meu coração, para me desvencilhar das teias do abandono.
Amo ainda mais meus filhos, por afinal ter conseguido amar o filho que fui, num sonho.

a poesia e a estupidez

A poesia se engasga,
tosse, 
fica pasma, 
tem crise de asma,
em meio a tanta estupidez.
Ela estremece,
se encolhe,
parece que quase se recolhe
e não é por timidez.
A poesia, então, reage,
vira uma leoa, ruge,
convoca todos os versos
e encara o visível e o invisível adversos,
para espantar o fantasma de vez.

âncora

Uma vida ancorada no consumo
faz naufragar o sumo da vida.

sem título

Ainda nos surpreendemos com o que não é surpreendente.
O recorrente insiste em chocar.
Quem sabe por algumas aberrações chocarem-se com o que nos é muito grato.
E essa colisão faz barulho e deixa vítimas, dentre elas a capacidade de acreditar.
Até porque o inacreditável tornou-se figurinha fácil, frequentador assíduo de um cotidiano que não muda, a cada ano.
Malas brancas, malas pretas carregam valores vazios, vadios.
Onde estarão os sadios?
Terão dito "adiós"?
Derramam sobre nossas cabeças baldes de exemplos baldios.
Debalde reclamar, espernear em vão.
Algo em nós aponta para as pontas dos pés e diz: vão!!

sem título

Acredito em coisas, sem as ver
Vejo coisas, sem acreditar

domingo, 20 de outubro de 2013

permanente

Uma varanda e muitos mundos. 
Janelas pequeninas, manhãs ainda meninas.
Borboletas desavisadas desafiam besouros famintos...ainda bem!
A varanda também está faminta de novos olhares, esses lares provisórios
para tudo que é permanente...como a vontade, a criatividade e a gente!!

ideias abertas

Que minhas ideias não cicatrizem.
Que permaneçam abertas como os oceanos e o futuro.
Que elas oscilem, como os dias e as noites, para que sejam sempre novas.
Que minhas ideias não briguem com minhas emoções, para que emitam sons que possam ser ouvidos pelos mais escancarados corações.

a pedra e o banco

Uma pedra sobre um banco da praça. 
Ou será um banco de praça sob uma pedra?
As coisas mais importantes chegam assim, de graça.
Um sorriso, uma intuição, algo delicado que não se quebra.

processo e resultado

Muita gente valoriza cegamente o resultado, não conseguindo perceber que o sucesso decorre de um processo virtuoso, inteligentemente emocional.
Os imediatistas esperam pelo fim do jogo para se prostrar diante da vitória ou da derrota,
tornando-se reféns inertes dessas senhoras caprichosas e cheias de artimanhas.
Pois é de arte e de manha que desejo falar. A arte do raciocínio do coração, a manha da emoção de óculos.
Há alguns anos, no intervalo de uma partida de futebol de salão, o time em que eu jogava perdia de 2 x 0. Todos esperávamos uma preleção eminentemente crítica do nosso treinador, chacoalhadas em todas as direções, sermões apontando todos os erros que teríamos praticado naquela metade de embate, para construir placar adverso e desconfortável.
Para nosso espanto, o nosso treinador, uma alquimia de Menotti e Luxemburgo, com pitadas de filosofia carioca, desafiou nossas expectativas e disparou, em voz baixa: "Está tudo certo, para virarmos esse jogo, basta fazer exatamente o que fizemos até agora". E o estranho vaticínio confirmou-se. Vencemos por 3 x 2.
O treinador-profeta parecia ter encarnado o espírito de Sabino,se não estou enganado, autor da célebre frase "No fim tudo dá certo, e se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim".
O exemplo no esporte serve para qualquer atividade humana. O processamento do resultado não é mais importante que a resultante do processo.
Se o processo estiver correto, a bússola certamente apontará para a direção do triunfo, ainda que ele não esteja ao alcance da ansiedade, mesmo que a estrada seja suficientemente longa para esconder temporariamente a linha de chegada.

a grande jogada

Fazer diferente não é sinônimo de fazer a diferença.
Pode-se caminhar de sapato social, tênis, botas e até descalço, 
mas nada disso garante a chegada.
Nem mesmo ser melhor que o oponente significa que você vença.
Ser original e acreditar muito em sua singularidade, aí está a grande jogada.

interpretar-se

Os poemas que parimos entregam-se a quem saiba admirá-los, não nos pertencem mais.
Se os quiséssemos para nós, ficariam presos na garganta da inspiração e não poderiam correr o mundo, encorpando-se pela sensibilidade de olhos que os leiam e os compreendam melhor que o próprio poeta.
Os filhos que geramos são poemas especialíssimos, feitos de substâncias mais sutis que as palavras. 
A exemplo das frases, eles nascem e ganham forma, transformando-se naquilo que ousam ser. Da mesma maneira, também não nos pertencem.
Se os quiséssemos para nós, ficariam presos na garganta da piração da posse e não poderiam correr o mundo, encorpando-se pela própria sensibilidade, que lhes permitirá ler-se e compreender-se, tornando-se intérpretes de si mesmos.

solúvel

Desacredito em fatalidades, determinismos.
Uma fatia generosa do que chamamos destino depende da gente.
Podemos virar o jogo, dar a volta por cima (mesmo que lá em cima seja muito íngreme).
O objetivo inatingível mora desde sempre na acomodação, na preguiça, no conformismo.
Quando decidimos virar a mesa, chutar o balde, ninguém e nada nos segura.
Pesadelos podem acontecer à noite e durante o dia...e sonhos também.
Soluções, lampejos, eurecas brotam milagrosamente quando silenciamos um pouquinho,
o bastante para ouvir a voz da vida.
Se até o café é solúvel, o que não será?

a passeio

Há coisas que não se explicam.
O amor e a dor que sentimos, as manias, as superstições, as intuições.
Tudo isso desenha ângulos de nossas almas, o que somos em águas rasas e nas mais profundas.
Para que tentar explicar?
Poucos entenderiam ou tenderiam a fingir que entendem, só para agradar.
Acariciemos nossos avessos, que eles se tornem tão travessos que provoquem boas risadas.
Abracemos tudo que reside em nós, nossos insólitos locatários, ao menos uma vez.
Sem qualquer critério nem exaustivas racionalizações.
Afinal, estamos a passeio e as férias só começaram.

sábado, 12 de outubro de 2013

o tempo e o mundo

Temos todo o tempo do mundo para esquecer o tempo e o mundo.

vendar para ver

Vendo-te, vejo-me mais profundamente
Vendo-te, para que só vejas tua mente
Vendo-me, tu te vês assim somente
Vendo-me e mesmo assim te vejo em minha frente

crianças

Crianças são também as nuvens em forma de bichos, que deixam nossas fantasias novamente infantis. Crianças são pedaços de papéis mundanos, bailando ao vento, que escrevem histórias em nossos olhares juvenis. Crianças são projetos que dão os primeiros passos. Crianças são esperanças novinhas, que precisam de beijos e abraços. Crianças são todos os filhotes de pais tão grandes quanto cuidadosos. Crianças somos todos nós, inclusive e principalmente, quando ficamos idosos.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

comportas

São as portas que me abrem.

Apenas não me fecho, como sabem.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

esperanças macias

Por desconhecermos segredos, somos íntimos.
Rimos dos problemas, que tornamos ínfimos.
Sabemos muito o que nos une e quase nada sobre nós.
Não somos neve e sim trenós.
Perambulamos por trilhas de estrelas baldias.
Para que não doam os pés, calçamos esperanças bem macias.

a via

Por quais vias eu andava,
se nada via?
Seria porque eu não olhava
ou nada havia?
Eu que tanto procurava

e você não vinha.
Até que um dia me dei conta
de que a sua busca também era minha.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

talvez

Talvez não seja tanto
o que julgas tão santo
Talvez nem seja pranto
o que expulsas pelo canto
Talvez não seja santo
o que desejas tanto
Talvez seja encanto
o que pulsas, por enquanto

domingo, 29 de setembro de 2013

pensamento e ato

Como é aconchegante a ausência da ausência.
O preenchimento do hiato.
A paz em sua essência.
O afetuoso encontro de pensamento e ato.

sábado, 28 de setembro de 2013

respeitar é

Respeito é bom, eu aposto.
É saber peitar o sujeito sem predicados, sem machucá-lo.
Respeito é até abrir mão do que eu gosto.
É também saber falar mansinho, apesar do falo.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

tribos

Em tempos globais, as aldeias substituem as ideias, instituem tribos.
Tribo dos sempre felizes e a dos sempre infelizes.
Tribo dos reprimidos e a dos espremidos.
Tribo dos emblemáticos, bem como a dos problemáticos.
Tribo das que têm muitos fundos e a dos que não têm fundo algum.

Nas salas de aulas, a divisão é bastante perceptível: os das primeiras cadeiras, os das últimas e o bololô do meio.
O mesmo acontece nas empresas: os que sabem das coisas, os que querem saber, os puxa-sacos, os malas, os que pouca gente vê, os que pouco veem.
As inscrições estão sempre abertas, mas algumas tribos fecham bem as portas.

domingo, 22 de setembro de 2013

avenida central

Longe de ocultar, ostento meus remendos
Ausculto os meus medos, ao menos os mais sedutores
Eles são meus mais fiéis tradutores
Lambo as feridas doces, para que não cicatrizem
Se preciso fosse, eu renasceria
Mas seria tão bom quanto é?
As pequenas mortes ressuscitam-me
Incitam-me à vida sem vendas
No mais, só lendas pedindo para que sejam lidas
Ávidas por se converterem em vidas
Largas avenidas por onde transite o acontecer

dez necessário

Sou o tormento que rouba tua insônia
A menta que enfeitiça teu paladar
Sou a tinta que tatua teus segredos
O que nada guardou e por isso tem tanto para dar

Sou a vela que ilumina e engole o vento
O penúltimo motivo para acreditar
Sou o grito interrompido pelo próprio grito
A areia que decide entre a praia e o mar

sábado, 21 de setembro de 2013

gênesis

Não se preocupe. Há beleza por toda parte. Se estrelas brilham lá em cima,
algo mais radiante pulsa acima e abaixo delas. Atrás dos espelhos, não existem
apenas imagens. Nascem florestas invisíveis todos os dias, com criaturas límpidas
e rochas que sorriem. Perceba as pegadas da magia primitiva nas paredes da memória mais profunda. Houve tempos em que não havia tempo, nem templos.
Deus não precisava de disfarces, de mil faces, para ser visto. Manhãs e noites se confundiam nos acordes magníficos da canção da eternidade. Tudo foi possível e assim será.

desajustado

Sou um desajustado.
Não me ajusto à injustiça a céu aberto.
Não me ajusto à justiça seletiva.
Não me ajusto aos corações desertos.
Não me ajusto às certezas definitivas.


Sou mesmo um desajustado.
Não me ajusto às mentes estreitas.
Não me ajusto às ações impiedosas.
Não me ajusto ao predador sempre à espreita.
Não me ajusto à verdade mentirosa.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

alto

Quando penso alto, escrevo amiúde. 
Não no volume, mas na altitude.
Longe da águia, mas sempre com dor.
Exatamente como o céu, que só muda de cor.

preguiça inteligente

Viva a preguiça inteligente, 
que aquieta o querer.
O dolce far niente,
que permite apenas ser.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

fruto

Que o amor seja entregue

como a terra faz com o fruto


Que aquele que o pegue


dele tenha cuidado a cada minuto

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

fogo fátuo

A beleza pode não estar na cara. Às vezes, ela se espalha generosamente por todo o corpo da mente. Assim sendo, com a chama se renovando e reacendendo, o fogo não será de palha.

a cura

Que todos conheçam esses silêncios quietos
Esses sons sonolentos espertos
Que espetam as distâncias,
tornando-as tão próximas feito imãs.

Que todos procurem e ao achar se curem
Que não prendam, apenas segurem
Que se surpreendam com coisas banais
Que jamais se contentem em ser somente normais.