segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Meu casamento

Los Angeles, 28 de novembro de 2011.



                                                    Querido amigo,


O inverno se aproxima no deserto californiano... Os céus se vestiram de cinza, constante cor a embalar as horas. Às vezes, esquenta um pouco, chego a pensar em praia, mas as águas do Pacífico sempre tão geladas afastam meu pensamento e me levam a pensar em casacos de frio, boinas, luvas e cachecóis. Sei que por aí, está chovendo. Apesar dos estragos que fazem, tenho constante saudade das chuvas tropicais, do cheiro de terra encharcada, do barulho dos trovões, da correria das pessoas nas ruas e avenidas alagadas.

Mas, esta carta tem sabor de primavera, cheiro de roseirais, som de risos ao longe, sussurros ao pé do ouvido e a alegria das borbulhas do champanhe... eu me casei, caro amigo!

Era fim de tarde, o Sol se deitando nas águas do mar, o alaranjado colorindo o céu, onde gaivotas sobrevoavam, testemunhas mudas, quase que intrometidas. A cerimônia foi para poucos amigos e parentes, algo singelo, íntimo, devoto. Foi na praia. Caminhei ao lado do meu bem, por alguns minutos, o tempo que gastamos para ir da casa dos pais dele até a tenda montada, ornamentada com tochas e conchas do mar, nas areias de uma praia quase deserta, tranquila.

Ele vestia calça e camisa brancas, eu, um vestido em rendas e fendas, também branco. O cabelo dele, negro, realçava a cor; as orquídeas em meus cabelos balançavam-se ao sabor da brisa. Havia riso em nós. Andávamos de mansinho, sem pressa, ele falava em tom baixo, em Espanhol, sim, ele fala em Espanhol, um sonho de menina que guardei... eu ria, respondia em Inglês e em Português, porque nos compreendemos em várias Línguas e ele quer aprender a nossa. Ah!, até penso sobre isso, que ele não aprenda muito pois eu gosto do som que ouço quando ele pronuncia meu nome, bate as sílabas na boca, parecendo um carinho, gosto do sotaque, do jeitinho insistente de tentar pronunciar corretamente.

E gostamos de nossas diferenças, nossos costumes antagônicos, eu sempre tão barulhenta, ele, quieto, manso! E gostamos da sensação de plenitude que o nosso estar perto nos dá e de nossas peles, dos toques, dos arrepios, da sensação constante de vento fino a passar por nós, nos aproximando, mas também dando espaço.

Foi servido, após a cerimônia, Mimosa, champanhe com suco de laranja, um coquetel enfeitado com sementes de romã. Muito bom mordê-las... e água de coco. Frutos do mar, arroz branco, carnes ao molho de ervas e de hortelã cremoso, saladas e frutas secas, muita tâmara, que adoro!

Nossos pés descalços nas areias, no chão, assim como estávamos quando nos conhecemos naquela insossa tarde de quinta-feira... Os convidados ganharam sandálias Havaianas como lembrança da festa.

Passamos três dias num barco, à deriva, soltos no mar, em Lua de Vênus.

Meu amigo, estou sob o império das nuvens, andando em ruas estelares, cavalgando em prados verdes, macios, e pouco me importa o frio que espreita, querendo entrar, pois em mim, se faz verão.

Em mim, cantam todos os pássaros, em peito cheio e aberto, em mim, gravita a perenidade.


                                      Um grande abraço,


                                      Suzana/LILY


                           (Um texto de Suzana Guimarães)



NOTA: Texto confeccionado para o amigo Helcio Maia, do Blog "Palavra Fátua".

o jardim

Óculos vêem coisas deslumbrantes: um fio indisciplinado da sobrancelha,
a cláusula minimalista do contrato, o filhote recém-nascido da formiga anã.
Eles dão visibilidade ao que se esconde por aí, graças às cegueiras que nos
acometem. Haverá óculos para a alma distraidamente míope, que ignora
tantas coisas a um palmo de seu nariz? Sim, almas têm olfato, isso é fato.
Mas algumas não se enxergam e ignoram sutilezas. Pobres almas indefesas,
diante de tão imenso jardim.




domingo, 27 de novembro de 2011

louca esperança

Qual a importância da reciprocidade? Até há pouco eu a considerava em termos absolutos,
a fina flor da teoria da dádiva. Mas já não penso ou sinto mais assim. Consigo lidar com a
ausência de retribuição, ao menos, em algumas situações. Isso significa que a entrega nem
sempre pressupõe um movimento análogo de quem recebe. Essa hipótese é aplicável aos
muito próximos e aos muito distantes. Os primeiros por pertencerem a um grupo muito
seleto, aqueles que podem entrar sem bater no meu coração, ou melhor, sequer saem dele.
Os outros por serem contingentes e assim a eventualidade, por si mesma, dilui qualquer
expectativa. No curso da vida, esperamos muito de poucos (nem sempre somos satisfeitos)
e um pouco de muitos (o resultado não é diferente). Jamais deixarei de esperar,
de acreditar, de desejar, ainda que o acervo de intenções solitárias seja acrescido.
É que intenções, mesmo desacompanhadas, confirmam a existência da existência.
Desejo, logo, existo. Se a estrada termina, nem assim desistirei da viagem. Se meus
pés cansarem, minha imaginação conseguirá levar-me muito, muito longe. Por isso,
de um jeito ou de outro, chegarei onde meus olhos não alcançam.
Ainda que lá eu não seja amigo do rei, minha louca esperança será coroada de êxito.

sábado, 26 de novembro de 2011

de trás para a frente

Calei as palavras que não vieram. Eram, não são mais. Ais não serão ouvidos.
Idos tempos de lamentos recorrentes. Rentes ao precipício, não ousaram mergulhar.
Ar, é de ar que se precisa para viver. Ver além das imagens, atrás dos espelhos,
debaixo das pedras, bem acima das nuvens. Vens ou preferes a comodidade?
Idade atribuída ao sentimento, que a realidade desmente. Mente que tenta entender,
mas não consegue. Segue buscando lá fora o que você perdeu. Eu descerei das
montanhas que nunca escalei.
 

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

chega

Você diz que não tem medo do que vê.
Mas não chega.
O seu coração não sossega.
Será que sem medo você chega?
Ou só cega?

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

never

Sob a neve, um punhado de sonhos.
Sob os sonhos, um punhado de neve.

domingo, 20 de novembro de 2011

as sedes

Quem sabe o meu e o seu calor
se encontrem no meio da rua
Então, a gente sua, sua...
até que sua sede seja toda minha
e eu a beba até que me embriague
e me abrigue em sua loucura...
Insensatez ou cura?

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

adorável desencontro

Devolvam-me minhas vertigens, aprendi a equilibrar-me às margens dos abismos.
Renuncio a tanto chão, sou íntimo das exiguidades. Preciso sentir um pouco de
frio, para redescobrir meus melhores abraços. Esqueçam minhas réplicas, elas
não falam por mim. Minha voz é meu delírio, que configura possibilidades
ultrajadas, hostilizadas pela hipocrisia insossa. Visto-me com as circunstâncias
que me visitam, que me incitam a abdicar do pudor babaca, que não desata nem
ata. Escondi-me de mim. Se alguém me encontrar, guarde para si. Ou aguarde,
até que eu caiba em mim.

sábado, 12 de novembro de 2011

a lógica e a mágica

Eu me casei com a lógica cedo demais. Deu no que tinha que dar.
Noites com sol, a pele transpirando idéias e a cuca quase pirando
em odisséias inenarráveis.
Troquei um sorvete pelo desenho de um sorvete, com legenda e
tudo.
Parecia cinema mudo, com as cenas sucedendo-se freneticamente
e a mente mal conseguindo acompanhar.
Separamo-nos, num ato de razão (ou terá sido emoção)?
Sentimos um vazio que parecia impreenchível e fomos tentados a
tentar uma volta.
Mas o simples retorno não seria a melhor solução (mais do mesmo).
As cicatrizes, como boas atrizes, cumpriram muito bem seu papel
e denunciaram o que a memória arrefecida pelo sofrimento recente
esquecera.
Decidimos que cada um ficaria na sua, com endereços diferentes.
Distantes demais para estarem juntos, juntos demais para se separarem.





quarta-feira, 9 de novembro de 2011

avenida

Sou um só, mesmo acompanhado.
De camaleão nada tenho, minha cor não varia, meu sorriso não é amarelo.
Azul em meus olhos apenas quando o céu olha para mim.
Carmim é meu coração, depositário de utopias desavergonhadas,
imunes ao lendário crepúsculo que o inútil calendário tenta anunciar.
Não faço sala, nem desfilo na ala dos conformados.
Sou banhado por esperanças e não sofro naufrágios.
Nem sempre gosto do que vejo, mas pior seria não ver.
Preservo por absoluto fascínio as linhas da vida, elas acamparam em
meu rosto e sabem tudo de mim.
Sou à flor da pele.
A cara da minha alma é escancarada, não saberia ficar escondida.
É a mais larga avenida em que eu já caminhei.




terça-feira, 8 de novembro de 2011

tarô

Tenho apenas duas crenças
Apoio-me no dito e no feito
Renego a desigualdade, mas acolho as diferenças
Ouço o que disseram e faço do meu jeito

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

novamente

Vi em meus sonhos uma flor de rara beleza
Pétalas macias, tantas cores que nem saberia dizer quantas
Mais estranho é que me sorria e transmitia imensa leveza
Ela me via e depois parecia se fundir com outras tantas

Tudo que é belo também morre
No entanto, permanece o encanto guardado na gente
A saudade é tamanha que até escorre
Mas não deixo que caia, para que nasça novamente

p.s.: aos meus pais, avós, tios e outras flores que cultivo todos os dias, com (c)oração.