domingo, 30 de setembro de 2012

a pino

Sou adorável...para quem me adora
e detestável, a quem me detesta
Mas escrevo em braille na testa:

sou um cara legal

Buzino, azucrino,
travesso como um menino
Atravesso desatinos,
mesmo com o sol a pino
Desato mil nós

Recomeço começos
e mesmo aos tropeços,
sou avesso ao banal
O que dói eu esqueço
Felicidade eu não meço,
mas vou até o final

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A rasura

Minha cura é a minha cara.
Longas jornadas por brevidades tão incontáveis que eu jamais contara.
Procuras desvairadas no jorrar do nada pela beleza brusca e rara.
O sufoco da urgência ofuscando o horizonte e a angústia ali defronte, cara a cara.
Uma secura incontida, contida em mil quereres concomitantes, que meu olhar errante declara.
A rasura na profundidade do desejo feita às claras.
O enigma do bocejo e a ternura do beijo, minha cara.



quarta-feira, 19 de setembro de 2012

a troca

E os olhos dela esbarraram nos dele, como outubro em setembro.
Inventaram um silêncio às pressas, na falta de algo melhor.
Leram-se sem se interpretar, isso ficaria para depois.
Quanto durou? 
Segundos ou milésimos de eternidades? 
Os relógios embaçados, latejando nos pulsos, tomando impulso para saltar.
Tomados de assalto, os olhares misturados não conseguiam se desembaraçar.
Entre eles, um colar de impossibilidades anônimas, nem boas nem más.
E os caminhos foram retomados.
Mas com os olhares trocados, para onde irão caminhar?




terça-feira, 18 de setembro de 2012

SAARA - por Marcelo Ottoni


                                               Quando atravessa as manhãs
                                               de meu cotidiano,
                                               além de sangue
                                               e além de sonhos,
                                               o que é que meu corpo carrega?
                                               Na amplidão de seus desertos,
                                               nada redime o ser humano
                                               de sua dor em carne viva,
                                               de seu pranto à luz do dia.
                                               Como sobreviver à gritaria do mundo
                                               se o olhar enfurecido da rotina
                                               interdita o caminho de meus versos,
                                               e o lastro de doçura
                                               que me resta
                                               se desprende de meu riso
                                               e definha a céu aberto.

             

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Crônica

Se eu afirmasse que estamos ficando muito caretas, possivelmente, estaria mostrando uma pequena fração da realidade. Não é de agora, assombra-me o crescente controle sobre a individualidade. Câmeras a cada quarteirão, dentro de estabelecimentos comerciais, consultórios médicos, elevadores, como se estivéssemos permanentemente cercados por paparazzi.  O trauma estimulado da insegurança urbana principia a justificar e legitimar a usurpação da privacidade. As cidades e os cidadãos estão se habituando perigosamente à cotidianização dos perigos. Pardal, em minha infância, era apenas um passarinho e tinha penas. Agora, é metálico e as penas são pecuniárias, para aqueles que ultrapassem os limites de velocidade. Mas com que espantosa velocidade hábitos e costumes estão se adequando à ideologia do medo. Há muito tempo deixei de assistir telejornais, por não suportar o desfile de tragédias, chacinas, escândalos, crimes de toda natureza., inclusive contra a própria. Eu, que jamais sofri de insônia, passei a conviver com sonhos, quer dizer, pesadelos, formados pelos restos diurnos (e principalmente noturnos) de tanta mazela. No futebol, fenômeno similar ocorre. Os árbitros tornaram-se dublês de censores, fiscais dos bons costumes, a distribuir "cartões amarelos" indiscriminadamente, cerceando a magia do esporte, privando o destinatário final do espetáculo - o torcedor - daquilo que ele mais gosta (o balé dos atletas virtuosos, a efusiva comemoração dos gols, a irreverência). O que se deseja? Reverências ao poder, distribuição de cartilhas que ensinem a ser bem comportado, artistas transformados em seminaristas? Alguém levantará a voz, lá do fundo: mas e a violência das torcidas, a falta de profissionalismo de tantos jogadores, as simulações, que jogam a torcida e a midia contra os árbitros e blá blá blá...?
Exatamente o argumento pronto, na ponta da língua, a respeito da violência nas ruas, que sequestra a serenidade da população, exigindo um altíssimo valor de resgate: a própria liberdade. Tornamo-nos reféns de nossos medos, que são o adubo mais eficaz para a bigbrotherização consentida de nossas vidas.
Sonho com a humanização das metrópoles, com a revolução espiritual que diminua a abissal distância entre Criador e criaturas. Exatamente por essa utopia que carrego insistentemente comigo, não me conformo com a miniaturização da existência. Pão e circo não são suficientes para satisfazer estômagos e mentes famintos.
Qual a origem da selvageria das torcidas de futebol? Será que existe alguma correlação entre violência e esporte ou o esporte para alguns é ser violento? O que está por trás da barbárie? Pessoas saudáveis agem assim? Quais as medidas preventivas (muito além das repressivas) para drenar a hemorragia de infelicidade? Somos violentados seguidamente pelos abandonos, pelos donos da verdade, pelos neo-senhores feudais que tentam expropriar nossas consciências.
Clamo por ciências a serviço do ser humano, onde quer que ele esteja, quem quer que ele seja.
Restituam-me o direito de sorrir, sem ser filmado.
Não quero me armar, quero amar e ser amado.


domingo, 16 de setembro de 2012

onírico

Brinca comigo,
se escondendo 
onde eu possa te encontrar

Brinda comigo,
me encontrando 
no esconderijo do sonhar

A perda da perda

Onde moro venta muito. 
E o vento sempre traz e leva algumas coisas.
Uma vez, um vento baldio levou minha mãe e deixou só um vazio.
Noutro dia, nova lufada carregou minha rosa preferida, mas restou o vasinho.
Eu escrevo alheio ao tempo e não invento.
Ganhei um caderno, onde anotei todas as minhas perdas, uma em cada folha.
A ventania encheu o quintal com folhas de árvores e arrancou todas as do caderninho.
Constatei que perdera minhas perdas.
Mas, estranho, o vento novo havia colocado algo naquele antigo vazio.



sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Mudando de tecla


A vida não é uma sina.
Ela ensina, se você deixar.
Reclamar, reclamar...libere a tecla recl.
Há mar para todo peixe, por mais que você se queixe.

Trocar de penteado ou o guarda-roupa...mudança pouca.
Trancar-se numa espécie de convento?

Experimente entregar-se ao vento.
Repetir para que?
Remoer, ressentir?
Há tantas vilas que você nunca viu.
Tantos vales.
Um deles valerá a pena.
Resvale no inusitado.
E depois me conte o resultado.

madrugada

O som da ária e o dos bambus modula meu pensamento,
que fica à toa, sem destoar do ambiente.
Deve ter chovido, o suor da terra ficou escondido.
O meu acaricia teus braços, fazendo traços quase paralelos.
A vidraça também suada já não diz mais nada do que está lá fora.
A lareira ardeu a noite inteira e a madeira quase devorada.
Ouço os passos do amanhecer.
Mas ainda é cedo para a noite ir embora.
Agora é o tempo todo.
De acordo?
Te acordo, madrugada.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

não apenas

Meus poemas são cartas abertas, manifestos, pedras atiradas na água, para agitá-la.
Provocações a mim mesmo, autorretratos sem rostos, com o gosto do desconhecido.
Meus poemas são entes vivos.
Eles tocam, doem, gritam, pedem, esperam.
Não são apenas...são poemas.

Besteiras

Nós fizemos história, fizemos sim.
Ah! Mas que história é essa da tua memória não contar pra mim?
Nós plantamos bananeiras, dissemos tantas besteiras, como convinha dizer.

Mas era só fantasia...acontece que um dia nós resolvemos fazer.

dialética

O jeito tímido de mostrar-se desinibida
O olhar único traduzindo os mil dialetos da vida
A voz quase rouca roçando a minha nuca 

A palavra que mal sai da minha boca e o teu coração escuta
As bobeiras tão charmosas 
A facilidade para me deixar todo prosa 
As ladeiras de mão dupla
Os pecados sem culpa


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Carrossel

Nem sei se você é bonita.
Meus olhos olharam para os seus, em linha reta.
Portanto, não reparei nas curvas.
Nada avaliei.
Não comparei e não parei de sentir.
Talvez por isso esqueci de pensar.
Nada pesou.
Você era o que é.
E eu... quem sou?
Não mais o que era...é tudo que sei.
Quanta lua!
Onde foi parar meu carro?
Onde foi parar o céu?
O mundo todo cambaleia.
A vida virou um imenso carrossel.
E esse silêncio cumpliciado com gosto de mel.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Insólito



Vendo o invisível não se vende a imaginação.

Tomando posse do impossível se possibilita a imagem e a ação.

Gosto


Gosto de gente que se supera.
Não gosto de super-heróis.
Gosto do olhar demorado, que me leva para outro lugar.
Gosto da mão peregrina, que chega aonde deve com devoção.
Gosto da coragem felina, saltando silenciosamente os muros do não.
Gosto da voz feminina, que cola na minha uma nova canção.
Gosto do teu rosto que ri quando digo que o resto já consegui decorar.
Gosto do teu gosto que descola de ti e me faz decolar.

A remessa


Que o amor não se cale,
ainda que dele não se fale
Que o calor arrepie,
mesmo que o frio espie
Que a paixão não se ofenda,
caso a razão se defenda
Que os sonhos não acabem
quando os olhos se abrem
Que a morada dos enganos
mude sempre, por serem ciganos
Que meu pensamento te toque
e o teu me convoque
Que o convite à vida tenha poder sobre ti
e que nunca te esqueças que fui eu que remeti

domingo, 9 de setembro de 2012

cinquenta motivos

Mergulhar de cabeça?
É bom à beça
Há o que impeça?
Peça !
Prega uma peça no medo

Despeça o bolor da noite cinzenta
Interessa?
Não meça
Mas, se precisar,
te dou cinquenta motivos

Vou dormir o sono solto
Assim, eu vou
Mas volto
Envolto em ti

as quatro estações

Às quatro, então...
Mas não em ponto
Não haja ponto de interrogação
Desprevenidos
Portanto, prontos
para a iniciação

A quatro...mãos
Piano, livro
Planos livres
Inclinados
Impulsos latindo em latim
Em todas as declinações

Dispostos à ebulição
A abolição da monotonia
Mia
a minha sinfonia
de sons sãos e salvos
De quatro
estações

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

E aí?

Alopra comigo
Sopra o receio do novo
Derruba uma parede
Estende uma rede
Enreda meu corpo todo
Vamos rir a rodo
Viajar sem mala
Não fazer sala
Fazer amor na sala
Piquenique no telhado
Deitar ao teu lado
Ser tua cama
Andar de patins
Desequilibrar a certeza
Nadar contra a correnteza
Desacorrentar o desejo
A torto e a direito
Inventar o nosso jeito
Fazer como nunca foi feito





sete de setembro

Sou um país independente.
Estão dentro de  mim minhas fronteiras,
mil ribanceiras onde deito e rolo.
Por vezes, quebrando a cara,
mas sempre o protocolo.

Abrigo uma população de vontades
especiais e espantosas.
Algumas geniais,
outras geniosas.

Sou um país surpreendente.
Apenas uma identidade,
embora idêntica
a todas as vontades.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Com trastes

- Eu moro no morro
- Eu morro de medo

- Eu peço socorro
- Só corro mais tarde

- Estou desempregado
- E eu desapegado


- Eu tenho quatro filhos
- Eu tenho dois carros

- Não abro mão da minha fé
- Não abro mão do meu chofer

- Às vezes me sinto cansado
- Às vezes me sinto casado

- Não gosto de dívida
- Não gosto de dividir

- Sonho é uma casa
- Minha casa é um sonho

- Há Deus
- Adeus

imperativos hiperativos

Seja feliz agora!!! 
É o que ordena um outdoor que captura meu olhar inadvertido.
Deve ser divertido variar tão automaticamente de humor.
Emagreça sem deixar de comer!
Mil receitas não calóricas.
Mas ainda estamos no inverno e eu bem queria aumentar o calor.
Encontre sua alma gêmea!
Defina seu perfil predileto e encontre a pessoa certa.
E se o meu perfil estiver errado?

O mapa da mina ou campo minado?
Posso querer ser feliz depois, mesmo se não estiver magro.
E se eu for um ogro, dar de cara com uma alma ao menos parecida dará um trabalho danado.

Essa tal felicidade instantânea e longeva chega a ser irritante. 
Como estar alegre se nem posso ficar triste? 
Tudo é proibido e tudo é permitido.
Vote no Zé do açougue, vocifera uma voz carnívora, sem saber que meu título de eleitor é vegetariano.
Compro coisas velhas: geladeira sem dispenser de água, televisão em preto e branco, fogão de duas bocas...anuncia uma voz arrastada, tentando me arrastar.
Não sei mais o que é novo ou antigo, tudo se troca e ninguém se toca.
Onde isso vai parar?
Será que consigo uma vaga para estacionar?




quarta-feira, 5 de setembro de 2012

a casa de incômodos

Fazendo o meu caminho, dei de cara com o que me pareceu um asilo.
Uma casa descuidada, um jardim sem flores, demasiadas paredes e sem cores.
Quase perdi o rumo, minha cara foi no chão.
Sobre cadeiras, algumas de rodas, idosos pendiam seus restos de vida, quase sem rostos, de tanta e silenciosa solidão.
Perguntei-me por onde andariam seus gostos, já que os desgostos...bem, esses talvez nem conseguissem ou quisessem contar.
Todos, rigorosamente todos, pareciam adormecidos, entorpecidos, parecidos entre si, embora possivelmente não se deem conta disso.
Aliás, o que dão a eles?
O que dói neles?
Receberiam visitas?
Teriam parentes?
Suas silhuetas, quase transparentes, lembravam estatuetas trocadas por adornos mais recentes, esquecidas num canto de qualquer lugar.
Suas vestes eram tristes como eles, como se estivessem nus de si mesmos, despidos de qualquer vaidade, da mais elementar e esquálida vontade.
Haveria algum desejo sobrevivente?
Uma réstia de fantasia?
Quanta vida haveria naquelas vidas?
Já teriam morrido quantas vezes?
Passei e pensei em voltar...
Eu poderia contar histórias para eles, piadas ou simplesmente...abraçar.
Lembrá-los de que estão vivos...
Seria um alívio?
É o cúmulo...
Os anos se acumulam e às vezes ocupam tão pouco espaço.
Uma casa de cômodos, como minha avó dizia.
Uma casa de incômodos, digo eu.
Quem consegue se acomodar?



terça-feira, 4 de setembro de 2012

pão com poesia

Pouso somente para o inevitável repouso. Quero mesmo é voar.
Sentir cada pelo ser provocado pelo ar. O coração na boca e
esta no mundo... proferindo, provocando. 
Sem ferir, mesmo quando interfere, conferindo ao coletivo abordagem singular.
Estou sempre a bordo de mim. Transbordo, escorro, sem correr da raia nem morrer na praia. 
Minha praia é a volúpia, a entrega, a verdade que não se nega, que se integra ao próprio ser. 
Desafio o tempo, o tempo todo. Mas ele não é bobo, prefere não se perder.
Moraes Moreira disse em "Pão e poesia":
"Fazer pão, fazer comício, fazer gol e namorar..." 
Se a vida fosse o meu desejo...
Ah! O desejo é a minha vida.
O meu pão é a poesia, que me alimenta todo dia e nem preciso comprar.
Comício é cômico, muitas vezes desperdício. Na canção, rimou com precipício. Comum isso...torço pelo final, desde o início.
Gol é bola na rede, o gole que atiça a sede, o gozo que antecede o gozo.
Namorar é dividir o pão, sem fazer comício, suando bastante a camisa, para fazer um gol diferente, na vitória mais surpreendente, porque não há adversários.


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

a flautista

Um acorde despertando a madrugada
Nada falta, não preciso ouvir mais nada
Uma flauta sob olhar incandescente
Tocada pela boca e a emoção tocando na gente

A flautista enche o palco com silhueta esguia
Lá no alto, é a primeira estrela que meu olhar espia
Um suspiro coletivo sai da platéia quando ela entra em cena
A magia contagia e se chama Madalena



por inteiro, até partir

Toda vez que a tez do teu querer me toca,
minha alma vibra, cresce e se molha
Não poderia me evadir agora
Em meio à confusão de ruídos,
só se ouve a permissão dos sentidos
Com tanta premência, não há como adiar
O mesmo silêncio sorridente
pedindo pra gente...incendiar, irradiar
Dá-se a invasão, 
por tudo quanto é lado,
até a cumpliciada rendição, 
já com o suor calado
A redenção da plenitude, 
irrompendo o velcro do céu 
na imensurável altitude
Interrompendo a normalidade canhestra,
esparramando em nós uma euforia extra
Tudo volta ao começo
Tu alucinas
Eu estremeço
A temperança em ruínas
É claro que esqueço
Onde está o cansaço?
Do lado do avesso







domingo, 2 de setembro de 2012

olhares

Meu olhar tem tantos poentes,
pontes e a gente apontando o luar
Meu olhar guarda esperas
Ele tem primaveras e deveras o teu olhar

O teu olhar é preciso,
é o alvo na flecha
E quando ele se fecha,
encontra o meu olhar

saliva

Não me encontro no divã,
mas como é bom devanear
Minha diva, aviva a dádiva sem afã
Passa saliva na chama e vem me chamar

sábado, 1 de setembro de 2012

esquisito

Procuro um sorriso.
Parece tolice, pela crendice de ser algo banal.
Quem disse isso?
Não se trata de qualquer sorriso, mas aquele que nem precisa chegar aos lábios.
É aquele que se antecipa, transformando os olhos em raros topázios, em dois trapézios que me convidam ao voo, como
como se já não estivesse no ar.
Falo do sorriso felino, que chega de mansinho e tão macio.
De tocaia, esperando que a presa caia, preparando o bote.
Bote que atravessa oceanos de esperas, que enfrentaram naufrágios, sem perder o amor ao mar.
Como não amar esse sorriso?
Ele faz chover na minha horta, escancarando a porta da minha imaginação.
Esse sorriso é tudo que preciso para perder o juízo, sem prejuízo da paixão.
Um sorriso esquisito*, tão único quanto o requisito para eu não caber em mim.

* esquisito, em espanhol, remete ao que é raro.