segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

bondade

Em defesa do que creio, derrubei todas as muralhas,
ocupei a tribuna e falei aos quatro cantos da cidade.
Em defesa do que creio, troquei toda a mobília,
imobilizei o que me atava.
Em defesa do que creio, toquei em cada ferida,
renunciei ao que faltava.
Em defesa do que creio, desacreditei nos bonzinhos,
mas não na bondade.


páginas suadas

Amaram sobre o livro aberto. Não havia dedicatória, bastava que fosse
lido...e foi lindo! Protagonistas foram despidos pelo suor que colava neles
e os descolava da história, sem qualquer pudor.
Amantes grudados no livro, arremessado em tantas direções,
desembarcando nomes, datas, tramas, parágrafos inteiros, inteiramente
estonteados pela imprevisível confusão de papéis.
A textura das peles roçava o contexto do romance, desorientando
diálogos, confundindo títulos, subvertendo sequências.
Pelos preenchiam espaços entre as frases, líquidos afogavam pontos
de interrogação.
Ao final da introdução, um salto para o último capítulo, quando a
sofreguidão capitulara e as páginas, transtornadas, retornaram à quietude
indesejada.




domingo, 27 de fevereiro de 2011

desobrigados

No amor, não pode haver domínio, quem obedece
não tem juízo. Se acontecer queda de braço, o que
cai é a base de sustentação do fascínio recíproco.
Competição, basta a do mercado enlouquecido, o
único preço a ser pago num romance é o ingresso
do teatro, para assistir uma peça que faça sorrir.
Mas não se pregue uma peça na espontaneidade,
na leveza, na ratificação tácita do desejo de estar
juntos, embora preservadas as indidualidades.
No teatro do amor, haverá sempre dois protagonistas.
São duas cabeças, com direito a pensar diferente,
dois corações, que pulsam cada qual do seu jeito,
em intensidade e ritmo variáveis. São quatro pernas,
que caminham aos pares e, no caso do par, acabam
encontrando-se em algum lugar, no início da noite,
o mais tardar.
Uno é o indizível sentimento, que desafia os céticos,
fazendo aquelas cabeças, corações e pernas guiarem-se
pelo mesmo código, em que consta um só artigo,
que os desobriga da solidão.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

em todos os sentidos

Quero ser amado pelo que calo,
por tudo que expresso no dialeto
do olhar, na visão do olfato, no
tato do silêncio fátuo de quem amo.

sem título

Todas as pessoas que se inscreveram em nossas vidas
deixam uma herança: o nome de um remédio contra afta,
um livro de Kafka, uma esperança.
Algumas delas são intermitentes, surgem, insurgem-se
e ressurgem, como nuvens tão familiares, mas sempre
diferentes.
Outras, são meteóricas, chovem torrencialmente e se
dissipam, ao contato de uma esquina, quase fantasmagóricas.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

há sóis

Hoje, apenas hoje,
entrega o que pedi, sem dizer
Hoje, apenas hoje,
decifra meu silêncio, quando digo
Hoje, apenas hoje,
acaricia a cicatriz que não vejo
Hoje, apenas hoje,
desenha em mim um desejo
Hoje, apenas hoje,
entra em meus poros
Hoje, apenas hoje,
perca o sono, para encontrar o sonho
Hoje, apenas hoje,
tudo mais, solenemente após
Hoje, apenas hoje,
o mundo inteiro sejamos nós

só no mundo inteiro

Revoluções planejadas e convocadas pela internet.
Facebook, twitter, blog, orkut... fazendo o mundo
ficar tão pequeno, como a turma da esquina, que
se encontra todo dia.
Um toque na tecla e lá estamos nós na Europa, no
Grand Canyon ou no Oriente Médio. Não é preciso
ser medium para saber o que se passa do outro lado
do planeta, mas cada vez é mais difícil descobrir o
que acontece no outro lado da própria casa.
O computador é uma janela para o que está distante:
outros continentes, realidades tão diferentes, culturas
extravagantes.
Mas a porta do quarto está fechada e a globalização
é só fachada para iludir a solidão, que olha pelo buraco
da fechadura e, na maior cara dura, vira as costas para
essa solução.

manifesto pela vida!

Podemos fazer algo mais pela vida!
Pela vida que acontece lá fora, pela
vida que acontece agora.
Abrir menos as torneiras, entornar
sorrisos no congestionamento,
congestionar as caixas postais de
quem aposta no conformismo, informar,
formar, transformar com ternura e
decisão, decidir que planeta queremos
legar às próximas gerações, gerar gentileza,
entender que beleza é uma busca atávica, mas é
muito mais que visual esculpido, esculpir poemas
em ruínas, ruir preconceitos ridículos, ridicularizar
as próprias teimosias, teimar em acreditar que é
possível, possibilitar o renascimento da pureza,
purificar o olhar, diante do espelho, espelhar-se
na palavra de Deus, jamais endeusar quem quer
que seja, ser o melhor exemplo para si mesmo,
mesmo estando só.


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

desacontecimentos

Já pensaram em tudo que desacontece em nossas vidas?
Eternidades fugazes, dilemas insolúveis, paixões mal resolvidas.
Muitas coisas vão para o limbo definitivamente.
A espinha no rosto, a véspera da viagem,  a bobagem urgente.
E isso que desacontece, em outras vidas aparece, com naturalidade.
Algo que faltava ou sequer se desejava, que desacontecerá, mais cedo ou mais tarde.

lembranças

Minhas lembranças são como estrelas,
dividindo o céu, sem fronteiras. Olho
para elas, algumas fulgurantes, outras
apenas figurantes, como jogo de cadeiras.

Minhas lembranças são como crianças,
espalhadas pelo quintal. Brinco com as
mais inquietas, que se divertem  com
minhas visíveis emoções secretas, mas
não faz mal.

Minhas lembranças são como tranças,
que reunem fios dispersos, na mesma
direção. Toco nelas, me distraio, quase
me esqueço e cada vez mais me convenço
que eu sou como elas são.


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

de volta ao começo

(mãe) - Meu filho não se relaciona comigo.
(amigo) - Desde quando?
(mãe) - Meses, sei lá, ele me evita.
(amigo) - Você acha que ele levita na sua ausência?
(mãe) - Será que eu sou tão pesada assim?
(amigo) - Você tem idéia de que ausência estamos falando?
(mãe) - Caraca, faço tudo por ele!!
(amigo) - Então, é ausência de limite!
(mãe) - É errado cuidar do próprio filho?
(amigo) - Cuidado com esse cuidar!!
(mãe) - Se ele quiser, que vá morar com o pai!!
(amigo) - Ele lhe faz lembrar do pai?
(mãe) - Claro que não, nem me relaciono com ele.
(amigo) - Não sei de que pai estamos falando, mas voltamos ao início da conversa...
(mãe) - O que?

mais nunca

- O que é nunca mais?
- Um acréscimo de nunca.
- Mas precisa acrescentar?
- Por via das dúvidas!
- Mas se duvida, nunca é tempo demais.
- (...)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

estacionamento

Duas amigas encontram-se no estacionamento de um shopping center.
- Amiga, você acredita que foi exatamente aqui que tudo aconteceu?
- Tudo?
- Tudo. Ele vinha ao meu lado, sem me tocar, mas dizia tanto, sem falar,
   que meu medo calou.
- Como assim?
- Ele pediu um abraço e, antes que eu respondesse, nossos corpos, o silêncio,
   o impulso incontido, meu desejo escondido...tudo era uma coisa só...
- Que loucura!
-  O meu pulso disparou, meu coração saiu do peito e ele, meio sem jeito,
    o apanhou...
-  E devolveu a você?
-  Nem sei direito...já procurei tantas vezes e me assusto quando penso que
   eu preferia que ele ainda estivesse lá...
- O que, seu ex namorado?
- Deixa pra lá...

em face

Não sou bem comportado, escancaro a porta, curto
carta e carreata, mas enjeito o que não ata nem desata.
Cato desacatos casuais, mas não me encantam os normais,
os que não se encantam mais.
Não ando pelos cantos, mas entoo cantos, lá pelas tantas,
e os repito, como mantras, sem enjoo.
Faço e desfaço a cama, sem desfaçatez, quero o mel, o céu
sem véu, quero tudo de uma vez, sem revés.
Chamo a chama, grito contrito, que meu eco vôe e encontre
ouvidos que ouçam.
Nada de pouso ou repouso, eu ouso.
Confio no difuso, mas não me aparafuso.
Sigo cadente, mas não consigo sorrir como o contente, que não
conhece alegria ou tristeza, que prefere a decadente certeza de
não ter o que mudar.
Meu sorriso é mutante, ele abraça cada instante.
Meu olhar não tem disfarce, ele toca em cada face e nunca sei se vai voltar.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

IF


Entre sem bater, gosto de arrebatamento
Escreva, se atreva, sem a treva do talvez
Aconteça todo dia, arredia ao arrependimento
Não espere, coopere com sua avidez
Prepare a ação na meditação
Será tácito meu consentimento
Espalhe em gestos silentes toda a emoção
Aparte o se no apartamento


não lugar

Você me conhece de algum lugar
Mas de onde será? Um planeta distante,
uma beira de caminho, um shopping sem
centro...
Você reconhece algum lugar
Mas por que será? Um gameta desistente,
uma besteira criativa, um ping pong de fora
para dentro...
Você acontece em algum lugar
Mas onde você está? Num caminho dissidente,
num planeta paliativo, de dentro para fora do
tempo...


altas horas

Não preciso de escada, subo em meus pensamentos
e mais nada me impede de voar.
Derrubo, na subida, monotonias ao cubo e me incumbo
de segurar a onda de ver tudo lá embaixo.
Tão minimalista escala,  tanta voz que se cala quando tateio,
em meio  ao tiroteio de dúvidas, e me acho.
Escalo milhares de temores, com as mãos quase esfoladas
e lágrimas desfolhadas.
Mergulho em  mil ares tenores, como irmãos xipófagos,
com almas coladas.
Quando chego lá em cima, falta o ar e sobra rima, como
posso descansar?
Nem me importo com a descida, desde que você decida
que irá me encontrar.


despertar de perto

Para você, que ainda dorme,
peço que o sonho lhe informe
o quanto é linda, ao acordar.
A manhã misturada ao seu corpo,
a réstia de luz que entra pela janela,
bem devagarinho, só para admirar
seu descanso...e eu, que não canso
de vagar ao redor de sua boca, com
carinho, de desembocar em seu suor,
como um rio, de mirar sua silhueta e
de virar mil vezes a ampulheta, para
que os minutos se encolham e mais
tempo eu recolha, só para amar você.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

estética eclética

Não quero nada perfeito,
impressionam-me os pecadilhos,
estrias charmosas, marcas
de expressão.
Quero o que brota no fundo do
peito, mesmo que se ande um pouco
fora dos trilhos, sem parar na estação.
Mas, por favor, sem pressa e sem pressão.
Botox, tatuagem no cóccix, piercing no
umbigo...não precisa nada disso para mexer
comigo.
Sedutor é o aroma que emana da presença,
irresistível é mulher que pensa e compensa
a natureza.
Uma flor se destaca no jardim quando, ao
passar por mim, mais que a cabeça, viro a mesa.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

mutatis mutandis

O que mudou em você?
Ou terá sido em mim?
Pois eu sinto que, assim,
separados por uma mesa, provando a mesma incerteza,
algo interferiu no paladar.
O que feriu o seu olhar, que foge para os lados, como
faróis apontados para baixo, em alto mar?
Mas os navios estão tão perto, em pouca água, quase
deserto, fadados a ancorar.
Lembra de meus dedos sublinhando seus contornos,
antecipando o caminho que seria desenhado?
Lembro de seus medos sublimando o que não vinha
e aquele frio na espinha que seria desdenhado.
O que não mudou em você?
A mania de falar do passado e representar o presente
que você tem ao lado?
O que pode mudar em você?
Amaria deixando o corpo contente e o pessimismo calado?




quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

profusão

Chega de esperas, traga peras nas mãos.
Colho o tremor de seu corpo e o deixo
descansar, ao lado do meu. E o mel de
sua voz respinga em meu rosto, deixando
o gosto que quero provar. E o céu que
povoa meu tato é o território intacto
que irei povoar.
Não pago para ver, pois a visão não tem
preço, é só o começo e o final não virá.
Tão vago é o desejo mais puro que há tanto
procuro e haverei de encontrar.
Afago o seu seio no escuro e, enquanto o procuro,
respiro seu cheiro.
Sua boca desemboca em meu peito e ele, quase
sem jeito, desembesta a bater.
Nossas roupas perderam o caminho de volta e sua
mão que não solta meu desejo no ar.

abrangente


Tanta gente em volta da gente
Gente exigente, gente intransigente
Tanta gente revolta a gente
Gente indiferente, envolta em detergente
Tanta gente que volta pra gente
Que faz a saudade ficar mais urgente
Tanta gente se volta pra gente
Indigente que olha, querendo um olhar




quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

novo olhar

Cristina conhece a garoa e anda na proa,
para mais cedo chegar.
Essa mulher, que não desatina, parece a
serpentina, descrevendo parábolas no ar.
Cris, criativa demais, é arquiteta de si mesma
e não sai de cartaz.
Tina, quando os ombros empina, é sinal de que
descortina a simplicidade audaz.
Ela é toda sapeca e se acaso ela peca é de tanto
querer.
Cristina, que é tão patricinha, sequer adivinha
o que provoca ao passar.
Pois ela, mulher e menina, em desconcertante alegria,
conserta os vícios do olhar.



terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

veracidade

Vera não é ruim da cabeça, nem doente do pé,
pois gosta muito de samba. No ritmo do tamborim,
sempre exalta que, para ela, não há tempo ruim.
E lá vai a moça dançando, requebrando os argumentos,
ostentando documentos, que nem precisa assinar.
A pele beijada pelo Sol não quer nem sombra da idéia
do anzol. Luta para não ser fisgada, rejeita todas as iscas
e priscas são as eras em que acreditava em promessas,
dessas que os homens fazem, às pressas, para encantar
em segundos...mas Vera não é uma dessas. Faz parte 
da roda de bamba mas não anda na corda bamba dos
que entregam palavras, ao invés de se entregar.
Desencantada com tudo que soa romântico, Vera até
aceita cantada, mas coa o discurso e segue seu curso,
sem olhar para trás. Vera é atrevida, diz que gosta mesmo é
da vida, em vôo solo. Vez em quando, até  pousa na pista,
mas logo despista, com seu olhar malabarista.
Ela não pede colo e seu protocolo é um punhado de sorrisos
largos, para estreitar a tristeza e jamais revelar a natureza
que, lá no fundo, espera ser surpreendida e, sobretudo,
compreendida, em seu secreto sonho de amar.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

concerto para flauta transversa

Aos vinte, vim te conhecer
Às tantas, tu me ligaste
Ligado, intrigado, aceitei o chamado
Chamei duendes, gnomos e gênios pirados
Inspirado, pintei poemas em teu corpo
Esqueci o que estava lá, embebido em estórias
Bebi as gotas de saudade, matei a sede à vontade
Livre de ti, aticei o desejo de te descobrir
Coberto de dúvidas, a ti permiti, a mim amei
Contando assim, passo a passo,
acontecemos no espaço, é só flutuar!

sem fronteiras

Escreve um poema pra mim
Algo diferente, esquisito,
sem começo nem fim
Tudo lá será meio,
terá gosto de recheio
Palavras travessas, inquietas
Nem tão flores, mais pétalas
que se colham, pra soltar
Frases corajosas, com vigor,
que causem rubor às faces
preguiçosas
Escreve um poema pra mim
Desses que se lê tantas vezes,
ao longo de dias e meses
e que parecem sempre novos
Idéias sem fronteiras,
que reúna todos os povos,
com festa e sem festim
Escreve um poema assim,
que lave minha alma,
incendeie meu delírio
e debele o motim
dos poetas que há em mim


a lagarta e a borboleta

Goreth ama a juventude. Por isso, procura mantê-la em si, apesar da meia idade:
o corpo delgado, as maneirices no falar, no andar, no olhar.
- Estou de "bob", diz ela, em meio ao ócio criativo. Tão espontaneamente quanto
os gestos expressivos, quase teatrais, com que ilustra o relato de casos engraçados,
curiosamente cotidianos.
Em sua nuca, uma borboleta e a inicial de seu nome convivem em paz, como nunca.
Aquela letra também poderia ser uma alusão à gaiola, onde pudesse aprisionar
a borboleta, nos momentos em que sua liberdade, inconscientemente, assustasse Goreth.
Mas borboletas não ficam presas em gaiolas, as frestas são mais do que suficientes
para que as transponham e voem impunemente.
Goreth não havia pensado nisso. Surpreendida com a gaiola vazia, comovida
com a perda do encantamento da borboleta, precisava usar toda a sua criatividade, pois
se existe uma coisa que Goreth não suporta é algo sem utilidade. 
Com a sagacidade que lhe é peculiar, Goreth resolveu a questão, sem pestanejar:
colocou na gaiola todo o seu passado, para que nunca mais pudesse voar e, muito menos,
qual lagarta, sofrer metaformose e em borboleta transformar-se.


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Candy

Candy nasceu quase por acaso.
Olhos claros demais e o que viam era tão escuro...
Mas a curiosidade aproveitou-se de uma distração
do medo e pulou a cerca. Acerca de sua infância,
falaremos depois.
Candy cresceu por descaso.
Corria, todos os dias, para trás e para a frente, de
um jeito tão diferente, que a noite chegou.
Injetava nas veias, tão azuis quanto seus olhos, doses
de "vilã", para entorpecer a heroína que tanto desejava
ter tido, na figura desbotada da mãe.
Candy é mais que um caso.
Deu à luz o que dela não recebeu, recebeu a cruz e nela
não morreu.
Olhos demais, para claros que não conseguiu preencher.
Por medo, pulou a cerca da infância mas, curiosamente,
jamais deixou de ser criança.

o beijo da vida

Uma jovem britânica deu
o primeiro beijo
em um rapaz e...morreu!
Nos lábios dele ficou  o
toque,  na memória, o choque.
Uma carícia definitiva, irretocável.
Algo ficou suspenso no ar, alguma
coisa naquele beijo é eterna, como
os sonhos juvenis.
O jovem sobrevivente, claro, outros
lábios irá beijar e os beijos posteriores
talvez tenham um sabor diferente, lembrando
de tudo que a gente espera que não termine,
mesmo que acabe, ao começar.
Foi o beijo da vida que, ao tocar no coração dele,
fez o dela descansar.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

todos os encantos

Maria,
e o que eu faria,
Maria,
com quilômetros de emoções
que me percorrem todo dia?
O que eu faria, Maria,
se cada uma delas quer ser
por mim trazida,
quer ser, enfim, traduzida?
Uma jazida de poesia!
Em que poema, Maria,
tudo isso caberia?
E nem sei se haveria
tanto espaço para usar.
E, se assim fosse por euforia,
de fora ficaria
muita coisa por contar.
Contudo, Maria,
quem sabe eu faça, um dia,
um poema, quem diria,
sem palavras, para ousar.
E mesmo assim, talvez, Maria,
cem palavras eu chamasse
para me aconchegar.


o dia, a noite, a vida

Meus sonhos não cabem no dia.
Amanheço encharcado de amanheceres,
que resistem às horas, que saltam da cama
antes de mim, talvez, temendo o próprio fim.

Meus sonhos não cabem na noite.
Anoiteço com o Sol que nascerá, sob o meu
travesseiro, eu sinto o cheiro do meu lar e do
luar.

Meus sonhos não cabem na vida.
Eu morro a cada morte de um deles e renasço
abraçado a todos eles, eu preciso de mais vidas,
para mais sonhar.


depois

Quando passaste, senti
A noite inteira, voei
Se o mundo acabou, nem vi
Se tu erraste, errei

Alguma coisa me diz,
mas não consigo entender
Mas, certamente, eu fiz
o que eu queria fazer


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

gosto a gosto

Gosto de pessoas de palavra,
de emoções que chegam a esmo,
eu gosto mesmo!
Gosto de falar a verdade,
de ficar à vontade,
de me espreguiçar
Gosto de abraço apertado,
de um braço, ao lado,
que eu possa pegar
Gosto de amar sem alarde,
de ficar até tarde
enfeitando você
Gosto de velas na mesa
e de Santa Teresa,
bem melhor que tevê
Gosto dos barcos dormindo
das manhãs de domingo
e não sei nem por que




êxtase

Amo o amor primeiro,
com o olhar estrangeiro
de quem se encanta a cada encanto

Amo o amor sem pirraça
de quem não disfarsa
o sorriso e o pranto

Amo o amor sem cobrança,
que não põe na balança
o que não se pode pesar

Amo o amor de atitude,
quando a vida, amiúde,
me convida a amar

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

lições de Clarice

Um dia, me chamaram de bobo
E eu logo retruquei
Pois o bobo sempre perde o jogo
Mas perdendo é que eu ganhei

É conceito que se precisa rever
Bem diferente de estupidez
Trata-se de ser, sem querer parecer
Clarice me ensinou, agora é a sua vez!

Clarice - As vantagens de ser bobo

Pela primeira vez, trago ao blog um texto de Clarice.
Pensamento ágil e leve, palavras certeiras e suaves.


Das Vantagens de Ser Bobo - Clarice Lispector
O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por d...uas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

amor sem fim

Lacan disse que somos seres faltantes.
E, por isso, desejamos.
Acontece que, às vezes, há mais falta
que desejo. E ele faz uma falta!!!
Aí o desejo fica inquieto, ele que não
é bobo nem nada e adora aparecer.
Começa a provocar, tentando mudar
o placar do jogo, nem que seja no
final do segundo tempo.
Mas, exatamente ao conseguir, fazendo
o sujeito novamente desejar, eis que a
falta aparece exuberante em cena, toda
insinuante, tentando o desejo conquistar.
E sabe o que acontece?
Eles se apaixonam perdidamente, fazem
juras de amor e nunca mais se separam.
E o sujeito que se vire!
Que escolha o desejo que faltará e a
falta que irá desejar...


desamparo

- (Ele) Eu quero!
- (Ela) Eu quero não querer!
- (Ele) Então, você também quer!
- (Ela) Não quero me perder!
- (Ele) Pusemos tudo a perder!
- (Ela) Não quero não!
- (Ele) Não quer o não?
- (Ela) Não...

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Intensidade (Luana)

Magia, poesia, melodia

Alegria, saúde, energia

Entusiasmo que contagia

Criatividade, verdade

Profundidade, amizade

Palavras fátuas

Todas me remetem a você, querido poeta!

Esse cantinho é acolhedor, cheio de amor

Eis uma homenagem da filha, amiga e seguidora

Que admira, vibra e se emociona

Por ter você como pai

Ps. Um brinde à postagem nº 300/301, rs!!!!

Um dia um certo pai...Intensidade (Tainá)


Um dia um certo alguém me propôs escrever sobre intensidade. Um dia, então, perguntei-me o que era isso. O estado de estar intensa mente. Em intensa mente. Pensei, então, que é o estado mais natural das coisas, que, por vezes e com o tempo, por excessos de “normalizações“ e de atenções que nos tornam desatentos, vai se esvaindo... E nós, então, vamos nos perdendo. De nós mesmos e do mundo. Intensa mente quem sabe onde está. E, se sabe onde está, está presente em si. Está presente no mundo. Olhar para as estrelas e realmente vê-las é estar intensamente. E só aqueles que o fazem conseguem ver além delas. É a consciência de estar, agora, aqui. Era uma vez um certo pai. Um certo pai-poeta, um adulto-criança que descobriu no seu jeito de ser o seu modo de ter intensa mente. Por vezes, se perde de si em meio a “urgentismos” e incredulidades que o paralisam, mas estes são logo ofuscados por seu ser-paixão-amor. Apaixona-se pela (e ama a) vida, o mundo e aqueles que estão nele, e transpõe essa paixão de um modo muito amoroso para a poesia, para a música, para a psicologia, para a arte que é tanto daquilo que ele é. Ama a paixão e é apaixonado pelo amor. E, nesse dualismo, encontra a maneira de “jogar fora o lixo“ e de estar no único local que realmente importa.

Era uma vez duas irmãs... Duas filhas que intensamente amam seu pai. Que são intensa-apaixonada-mente por ele e que tentam demonstrar, por meio dessa homenagem ao poeta mais pai do mundo, como ele é um dos grandes responsáveis por vivermos (intensamente).

último ato

- (ela, ácida) Não quero contato!
- (ele) Então, para onde foi o tato?
- (ela) Se encontrar, eu mato!
- (ele) Mas era diferente, é fato!
- (ela) Não assinei um contrato.
- (ele, irônico) Se mal não quero, por que maltrato?

um pouco de tudo

Agito no Egito.
O povo rompendo com o passado,
em busca do presente que quer ganhar.
Apagão no Nordeste do Brasil.
O presente imitando o passado,
que o povo não quer lembrar.

No devasso reality,
torna-se público o que pouco importa.
Nos indevassáveis gabinetes,
o que mais importa é o que não vem a público.



sábado, 5 de fevereiro de 2011

cotidiano

Uma fatia de lua no céu
Nuvens ruivas, desidratadas
Inspiração, caneta, papel
De cima a baixo, estradas

Um malabarista no sinal fechado
Expressão vazia no ônibus cheio
O motorista desapontado
Conversa que se parte ao meio

Transeunte em transe
Operário operando a madrugada
Estresse que a testa franze
Restos de fatos na calçada

ascese

Países não têm dono
Filhos, também não
Há órfãos do abandono
Soluçar não é solução

Tirania é resultado
da fraqueza de vontade
O sultão insultado
se não é tudo, é metade

Desconstruir para edificar
Multidão de rostos únicos
Evolução é um néctar
Ateus mediúnicos


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

invisíveis

Um corpo deitado no chão da rua
Que sonhos serão sonhados?
Uma vida, igual à sua
Objetos e objetivos roubados

Um corpo deitado no vão da rua
Será homem ou mulher?
De tão cansada, a fronte nem sua
Bem me quer, mal me quer

Um corpo deitado e um cão de rua
Não há caninos, nem molares
Embriagada demais, a dor flutua
Na falta de lares, sobram bares

Corpos deixados são das ruas
Insanos, meninos, velhos demais
O vento varre suas vestes nuas,
levando consigo o que nem lembram mais


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

meu jeito

Nada de tumulto
Quero tu e eu, num mútuo
Rejeito o tormento
Meu jeito é sentimento
Busco mais que instantes
Desejo, agora,
muito mais que antes

trajeto

Estamos sempre a um passo
A corda, a perna, a vida é bamba
Ofegante, mas sem cansaço
Buscar, por si só, é bom pra caramba


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Dom

Cuido do Quixote que há em mim
Das minhas lanças e moinhos, sei eu
Por vezes, até me lanço em redemoinhos
De cavalo, nem preciso,
cavalgo no orvalho de minhas utopias
Esse é meu dom!

em si

Por que não pregar no deserto?
Não há areia, céu, vento por lá?
Há platéias mais silenciosas
O sábio não espera aplausos
Sua recompensa é o silêncio em si