domingo, 28 de dezembro de 2014

sóis a sós

Dia desses ouvi alguém falando sobre a possibilidade de fundar a "associação nacional dos bem desacompanhados". Com o seguinte objeto social: disseminar a consciência de que "antes Sol do que mal acompanhado". Haveria um slogan: "vamos ser sóis juntos".
Afinal, qual a glória de ser sós juntos?
Com isso, cessariam as frustrações compartilhadas, as trocas de farpas, a transição homeopática da sensação de amor para a de horror.
Ao invés de farpas, harpas representadas pela redescoberta de aptidões, o despertar de tesões há tanto tempo atrofiados, a valorização do estar consigo. Vamos ver e desejar o Sol e deixar que ele nos veja e nos deseje.
Seguir os próprios instintos é salutar. Mas deixar de lutar pelo que se acredita e simplesmente "seguir" alguém é cegar a individualidade, é deixar de ser alguém.
Livres e felizes morrem. Os aprisionados e infelizes também.
Os felizmente livres vivem. Quanto aos viciosamente infelizes...eles sabem bem.

sábado, 27 de dezembro de 2014

marimbondos e sapos

Pensamentos e palavras, sobretudo, devem ter lastro em sentimentos. E o que dirige nossas vidas são valores, mas desses que não cabem no bolso nem na carteira. Que ninguém nos ouça, mas gosto mesmo é de sentimentos despudorados, incapazes de usar sobretudo. Preferem enfrentar o frio e persuadi-lo a experimentar seu calor.
Que 2015 não seja apenas o sucessor de 2014. Que não adote temporariamente o sobrenome "novo" por modismo ou tradição. Desejo que ele traga ventos decididos a espanar o que precisa ser espanado.
Melhor cuspir marimbondo que engolir sapo. E temos nos fartado de batráquios bastante indigestos. É hora de dizer a que viemos, por saber que temos missões a cumprir. Para onde iremos? Como disse o poeta, onde houver Sol. Onde não houver roletas (russas ou nacionais), onde o ingresso for como as melhores coisas desta vida, sem preço. Onde todos tenham as mesmas oportunidades. Onde sonhar não pareça babaquice.
Onde ser o que se é não conduza à exclusão. Onde princípios como verdade, ética, respeito à Natureza, gentileza e compaixão libertem-se do dicionário e sejam cultivados dentro e fora dos nossos corações.

desvendar

O que é mais precioso não se compra nem se vende
Para enxergar a beleza, que é de graça, apenas não se vende
Tudo que tem preço pode ser trocado
O que realmente é nosso só pode ser sentido, jamais tocado

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Um em tantos

A vida está grávida de 2015. Que o parto deixe por perto muita imaginação e uma quase interminável disposição para lutar dentro 
e fora do tatame, por tudo aquilo que se ame.
E aqueles que não acreditam em nada? Ora, não acredito nos incrédulos.
Nada é tudo para eles. Para mim, tudo é quase nada: apenas a beira de cada coisa, a besteira preciosa que derrama gargalhadas pelo caminho, o pó da estrada, que não poda a entrada em um novíssimo destino.
No mais, puríssimo desatino. Por isso, não fiquemos em apuros. Basta preencher os furos que pudermos e se nos dermos as mãos e os corações, ouviremos os melhores sons.
Podemos ser sãos, não podemos ser santos. Somos um, apesar de sermos tantos!

off/on

Quero a paz que não decorra da rendição da utopia
Quero a sinceridade que não agrida a gentileza
Quero que o tempo me desfolhe e renove, como faz a ventania
Quero crescer com muitas dúvidas, essa é minha única certeza
Quero colocar o dedo na ferida, em busca da cura
Quero desligar o celular, para recuperar a simplicidade
Quero o amor iluminando minha face mais escura
Quero poder andar sem medo pelas ruas da cidade
Quero transcender o off/on
Quero escrever palavras incandescentes
Quero entender o que é dito quando se cala todo som
Quero provar a existência de tantas lembranças ausentes

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Natal 2014

Felicíssimo Natal a todos. Mas todos mesmo, pouco importando serem ou não serem cristãos. Pois em meu coração Natal é mais que a celebração do nascimento de Jesus. Sinto essa data como uma oportunidade muito especial de pensar em valores que tenho na mais alta conta: humildade, generosidade, altruísmo, companheirismo. Virtudes que continuo tentando, a duras penas, desenvolver em mim. Somos todos alvejados pelo marketing da competição, da ganância, da soberba, do individualismo exacerbado. Não é difícil ceder a algumas das inúmeras e cotidianas tentações da sociedade em que estamos inseridos.Que supervaloriza o espetáculo, que espetaculariza as dores alheias, que incentiva a idolatria a super pessoas, sem esclarecer que elas só existem na imaginação de quem compra essa ideia maluca.
Penso naqueles que não ganharão presentes, nos que não têm teto, nos que desconhecem o tato do afeto, em tantos sonhos deixados ao relento.
Gostaria que pudessem (tomara que possam) sentir o calor da lembrança e o abraço que lhes envio, como talvez quando crianças tenham enviado cartas a Papai Noel que, por descuido ou absoluta impossibilidade, deixou de respondê-las.
Feliz Natal, amigos e amigas que já conheci. Feliz Natal à infinitude de seres que jamais conhecerei, mas que estranhamente intuo que fui, sou ou ainda serei.

cajus, bambus e sonhos

Havia um cajueiro pertinho da minha casa. Os cajus mais vistosos e suculentos estavam sempre nos galhos mais altos. Nada que um bambu não pudesse resolver.
Havia um sonho pertinho da minha casa. A exemplo dos cajus, também estava lá em cima, quase tocando nas nuvens, quase roçando as estrelas.
Eu queria tocar nas nuvens, roçar as estrelas e realizar aquele sonho.
Nenhum bambu seria tão grande, a ponto de trazer o sonho aos meus braços. 
Mas restava a imaginação. E com ela eu conseguia ver o que não estava lá. Vendo, eu sentia. Sentindo, havia.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

memória seletiva

Minha memória é esquisita. Ela só me cutuca para reavivar as coisas boas. Gols marcados por mim ou por outros, que ainda deixam estufada a rede existencial, em que me deito, até que os sonhos me adormeçam e depois eu acorde sorrindo. Ela empina palavras outrora afiadas, no intuito de torná-las aliadas de meus voos fortuitos. Soltas como o vento, a chuva e a imaginação, elas saem por aí, brincando com os fantasmas, até que eles deixem de se assustar com elas.
Minha memória é seletiva. Ela filtra o que nela se infiltra e só permite que passe o que não congestiona a vida. Ela não curte formalidades e prefere esquecer as idades das tolices.
Minha memória se doa, para que em mim não doa o que sabiamente ela perdoa.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

entrelinhas

A palavra do século é insatisfação. Os indivíduos estão insatisfeitos com o Estado e com o estado de coisas que torna coisas mais importantes que indivíduos. Insatisfação com o outro, que parece não enxergar os outros, que somos nós. Insatisfação consigo mesmo, por só enxergar os predicados dos outros e assim sentir-se imensamente prejudicado.
Há crescente rejeição ao modelo de vida que rejeita indecentemente o que se afasta um milímetro dos modelos de perfeição, construídos à feição dos interesses que não nos interessam. Estamos aturdidos com a privatização do que é público e com a publicização do que é privado. Boa parte de nosso tempo é sugado por telinhas. O que sentimos fica sitiado entrelinhas.
What's up? O whatsapp substituiu o abraço?

domingo, 14 de dezembro de 2014

superfície abissal

Não me poupo, então, não me poupem. Quero suar, até que o suor
chegue à fadiga e peça penico. Mas que seja somente o bom suar.
Por isso, bon soir, amigos e amigas de tudo que é incandescente,
o que pulsa forte nos pulsos da gente!
Os ociosos colocam à venda seu tempo. Os ansiosos colocam suas vendas e compram esse tempo, sem saber se o beberão como remédio ou se todo o seu tédio virará passatempo.
Eu pego carona nas asas de um passarinho e me entrego ao vento
lento, sem pressa alguma de que ele pouse no ninho. Amanheci saboreando distâncias incalculadas. Dunas de imprevisão deixando em ruínas todas as rotinas e promovendo um alvoroço na calmaria dos urubus. Carícias inestéticas na areia, que arranhava a sola dos pés,
transformadas em molas. O corpo e a alma em festa, revelando toda a anarquia de sua alegria, em mil e tantos decibéis. E quanta luxúria no luxo das ondas que lambiam meus passos e abraçavam meu olhar, qual anacondas.
Venham a mim as escadas, com seus degraus e graus de inclinação, por mais que hoje eu esteja inclinado às planícies.
Pois o que mais quero é deitar e rolar na superfície abissal do mel e do sal que há em ti, meu amor.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

tobogã

No labirinto hedonista em que nos encontramos, é proibido ficar triste.
Mas também não é permitido sentir-se satisfeito por muito tempo. Tristeza passou a ter por sinônimo depressão. Satisfação tem a conotação de zona de conforto, estagnação, acomodação. Na ausência
de alegria, pílula. Constância de alegria? Uma pílula!!
E lá vamos nós passeando no tobogã existencial, vestidos de vertigens
e miragens. Nas prateleiras, bem à mostra, amostras de corpos perfeitos,
personalidades perfeitas, comportamentos perfeitos. É imperioso ostentar
corpos, mentes e perfis com pouco teor de gordura. Curiosa e paradoxalmente, é preciso ocupar menos espaço físico para conquistar
mais espaço social.
Conectados dia e noite, somos fustigados por uma solidão tão incorpórea
quanto as amizades virtuais. Adotamos progressivamente contornos mais virtuais que virtuosos. Como surfistas sem pranchas, vamos nas ondas,
entramos nos tubos, mas morremos de medo de afogar-nos na arrebentação. Só treinamos nadar a favor das correntezas, em direção
às "científicas" certezas que são despejadas sobre nós como esgotos nos
rios e oceanos. E assim esgotados pela perversidade de tantas metas,
aturdidos pelas direções tão opostas de tantas setas, precisamos de um
tempo só para nós. Uau, como é gostoso soltar os nós apertados e redescobrir prazeres antigos, como andar com os pés no chão! E sem renunciar à delícia de voar com as próprias asas.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

linhas tortas

Poeta e poesia não se confundem
Mas é na procura que eles se fundem
A poesia busca a cumplicidade do leitor
O poeta é por ela procurado e lhe agradece o favor
Poesia e poeta amam a verdade
Mas essa senhora nem sempre é desejada
Alguns preferem a satisfação de sua vontade
E beijam sua mão, para que lhes venha de mão beijada
Intenções se perdem no telefone sem fio
O certo pode ser escrito por linhas tortas
Convencer a si mesmo é o maior desafio
Poesia e verdade jamais serão letras mortas.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

leoas e mosquitos

Quantas belezas feias
Leoas quando caem em teias
viram mosquitos
Quantos contornos esquisitos
Tudo tão igual
Quem se quer bem não se faz mal
Quero ver a luz
É ela que me seduz
Futuro que olha pra nuca
funde a minha cuca
Não afundemos na mesmice
Fazer careta pro espelho é caretice
A vida ensina uma verdade profunda
A cara da felicidade não fica na bunda

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

não é hora de partir

Eterna juventude, corpo perfeito? Cai nessa, não. Antes do corpo, mutila-se a mente, submetida à pressão cruel dos paradigmas eleitos e reeleitos
pela gulosa mídia. A comédia humana ganha contornos de tragédia, à medida em que a felicidade é determinada pelas medidas. A balança parece pender para os que dependem dela para sorrir. Sorry! O sorriso verdadeiro está na periferia dos que se arrependem do que são. E, cá pra nós, estar são é o que realmente importa. Qual a necessidade de importar padrões cruéis, que despencam ditatorialmente sobre a autoestima da gente? Para que aceitar que não nos aceitem, a menos que sigamos a receita dos faquires?
A beleza não está nos olhos de quem a vê, mas nos olhos que têm a ver,
concorda?
Cultivar hábitos saudáveis, praticar exercícios, dar umas corridinhas ou caminhadas, evitar comidas industrializadas e só fazer muito amor, que amor não faz mal, isso os médicos e qualquer pessoa antenada faz ou deseja fazer. Mas se desfazer, submetendo-se à escravidão de critérios absurdos é tornar-se surdo ao que diz o próprio coração.
É tempo, isto sim, de almas saradas e não de almas paradas. Como disse Zeca Baleiro: "eu disse calma alma minha, calminha, ainda não é hora de partir..."

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

saudade sem pressa

A saudade intransitiva
Que em transes se expressa
Atemporal, permissiva
Quase distraída, uma saudade sem pressa

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

o toque

Público e privado parecem estar emaranhados como nunca. Estão escancaradas as fronteiras da privacidade, abertas à visitação pública.
Escandalizamos aquilo que deveria permanecer íntimo. Talvez por nos intimidarmos com os efeitos colaterais dos sentimentos e ressentimentos reprimidos. Mas publicizar o que é pessoal não equivaleria a jogar na privada o que poderia ser reciclado? Por outro lado, vivemos a era da obsolescência, em que os prazos de validade invalidam a longevidade de tudo. Com tantas mortes anunciadas (de coisas, relacionamentos...), corremos o risco de banalizar todas as finitudes e, mais que isso, de antecipá-las. Para que algo seja infinito enquanto dure, como escreveu o poeta Vinícius de Moraes, é necessário que esse algo realmente dure.
Paralelas só se encontram no infinito. Mas estamos falando de convergências, de linhas que se tocam. E tocar-se não significa colidir e sim coincidir. Quem aprende a tocar alguém descobre o som mais lindo do universo!

terça-feira, 25 de novembro de 2014

a periferia da emoção

Alguém disse que o amor tem razões que a própria razão desconhece. Desconheço a autoria da frase e as razões que teve para escrevê-la.
O amor sempre tem razão, desde que seja amor. O busílis da questão
é que o conceito de amor está em questão. Dizemos amar por inúmeras circunstâncias, repetidas e defendidas em todas as instâncias existenciais. Ama-se em decorrência da falta, do sono que voa baixo em noite alta. Ama-se em fatias, pois assim fizeram nossas tias. Ama-se sazonalmente e aí mesmo que tudo vira uma zona, inclusive na mente.
Ama-se por necessidade de acreditar que se está amando. Ama-se a mando da razão e a despeito do coração. Ama-se demais até quando e cada vez menos, à medida em que o tempo vai coando a essência, a excelência daquele sentimento. Ama-se na condicional, ou seja, ama se...Amor de tiro curto, 100 metros rasos, bem rasos. Que não resiste às lonjuras, que se restringe às juras e aos juros que se cobra de um investimento tão capital, que de repente se dobra feito uma esquina. É quando o amor esquiva-se e se muda para a periferia da emoção.
A vida tem amores que o próprio amor desconhece. A vida tem muitos clamores, que muitas vezes a gente ouve, mas esquece. Por isso, perguntamos, com duvidosa inocência: o que houve?
Amor é substantivamente adjetivo. Amar é verbo que pode e deve ser conjugado em e por todas as pessoas. Para que soe bem, para que faça bem. É no colo da pluralidade que ele se torna magicamente singular

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

três asteriscos

Se enjoou, varia
Se o conhecimento calou, chuta
Se quer saber o valor, avalia
Se as palavras cansaram, escuta
Se ele não merece, chuta
Se é inevitável errar, varia
Se quer ser ouvida, escuta
Se houver três asteriscos, avalia

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

sujeito determinado

Gosto de sujeitos que não se sujeitam.

domingo, 16 de novembro de 2014

surto

Para chegar à tal da felicidade,
não adianta virar à esquerda, muito menos à direita. 
Esse caminho nem sempre está numa avenida, 
por vezes trata-se de uma rua estreita. 
Não é longo nem curto.
Por isso muitos desistem de encontrá-lo
e são achados por um surto.

sábado, 15 de novembro de 2014

tat(ame)

Ame e dê vexame. Se não estiver sendo ouvido, chame. Reacenda a chama mas, acima de tudo, ame. Descubra o âmago, seja o mago do seu próprio amor. 
Ame e não reclame além da medida. Apenas a alma não deve ser comedida. Faça comédia, fique acima da média, abra mão da contramão subentendida. 
Ame sem exame. Nada de testes, por mais que detestes a ideia da intuição. Lembre-se de que mentiras são enxames de erosões famintas. Portanto, não mintas, pois as pernas serão curtas para atravessar tamanho abismo.
Ame como num tatame. Deite, role e produza imensa prole de motivos para que a festa não sinta a menor vontade de acabar.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

lensóis

Que haja tanto brilho, tanta luz em teu amanhecer que te sintas sob "lensóis" !

terça-feira, 11 de novembro de 2014

à mercê

Junho, escreva de próprio punho
Descreva todas as parábolas
que recaem em você
Junho, fique bem juntinho
Mas não faça burburinho
para que o silêncio fique à mercê

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

o que é direito

Quero ver como se jamais houvesse visto. Com olhos nascituros,
que produzam olhares puros, sem resquícios ou indícios de passado
ou futuro. Quero enxergar no escuro, no furo das evidências. Quero
abster-me de ciências e de penitências, reunir todas as ausências e
transformá-las numa grande festa. Quero ver o que infesta as frestas,
pular o muro do improvável. Descobrirei o olhar inflável, que flutue na
espuma das nuvens e dos mares e rios. Um olhar que derreta os frios,
as rochas, que conduza as tochas ao lugar mais iluminado que já se viu.
Dispenso óculos e lentes, bem como paisagens indolentes que não me
provoquem. Ficarei distante das coisas ocas e olha que não são poucas.
Penso na perspectiva da intuição e que os ventos soprem ao meu
ouvido esquerdo o que é direito. É desse jeito que olharei.

domingo, 9 de novembro de 2014

canetas e caretas

Viva essa gente da pá virada que preenche vácuos de incredulidade com poesia laica. Vivam as mentes transviadas, que curam a poluição dos
rostos desmaiados. Mil vivas à arte mal-comportada, que bagunça os certinhos, acertando-se com as moscas, para que desacatem suas sopas de verdades enferrujadas. Zilhões de vivas às tempestades, para que lavem nossas almas, para que levem todos os grilhões, para que nos livrem das caretas dos caretas e de suas canetas que assassinam a assinatura da liberdade.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

diz quem

Gosto de quem arde, de quem nunca acha tarde
Gosto de quem reparte e não abusa do aparte
Gosto de quem ouve, de quem compra a minha briga e depois pergunta o que houve
Gosto de quem não se conforma, mas não deforma os fatos
Gosto de quem tem café, cafuné e fé no bule
Gosto de quem não tem pressa, de quem diz: peça
Gosto de quem sabe escolher os pecados, de quem não manda recados
Gosto de quem sabe sem cuspir saber, de quem sabe esculpir prazer
Gosto de quem faz a diferença e se desfaz da indiferença
Gosto dos que gostam de gostar, dos que choram vendo Ghost
Gosto afinal de quem está com a vida e não abre, até o final.

escafandristas

Somos sobreviventes. Sobrevivemos principalmente a todas e tantas esperas. Nada é mais longo que esperas. São filas intermináveis de desejos, ora calados, ora colados em nossos ouvidos. Resistimos pela humanidade que existe, em doses variadas e variáveis, em cada um de nós. De quando em quando, precisamos retirar palavras, pensamentos,
olhares e sentimentos contaminados que são espetados em nossas peles. E muitas vezes sequer percebemos. Adormecemos sobre insônias,
amamos ao redor de ódios requentados, acreditamos a despeito de ceticismos requintados, academicamente elaborados.
Sobrevivemos a sucessivos naufrágios, sem perdermos o amor ao mar.
Nossos sonhos, os melhores deles, são escafandristas. Enfrentam pressões inimagináveis, correntezas halterofilistas, pela certeza de que as grandes profundidades escondem os tesouros mais preciosos.
Afinal, atrás da vida só não vai quem já morreu, mesmo que não saiba.

sábado, 1 de novembro de 2014

outra forma

Se a felicidade virasse rotina,
eu a buscaria de outra forma,
sem os vícios e recorrências daquela.
Pois a vida superlativa é sempre repentina
Naturalmente livre, não admite norma
E quem tentar sufocá-la, que aguente a sequela.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

preamar

Somos todos farinha. Mas cada qual de um saco. O curioso é que puxamos um ou alguns para perto do nosso, sempre que bate a ressaca. Sacamos com muita rapidez nossas armas, com a mesma habilidade com a qual reivindicamos o desarmamento (dos outros). Já estivemos mais próximos, quando sobrevivíamos do mesmo naco de fogo e luz. Seguimos e já perseguimos falsas bruxas e Jesus. Somos irremediavelmente livres e prisioneiros de chistes que apontam, com o dedo em riste, o que existe na surdina, em cada um de nós. Por tudo isso e nem tanto, vou até a beira do mar encontrar meu chão.
É nesse preamar que deito e rolo, para me esvaziar da solidão primeira e sonhar a noite inteira no colo da minha amada.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

ganhos e perdas

O garanhão casado, movido pela necessidade de conquista, aproxima-se da mulher atraente e sedutora. Enaltece a beldade, maximiza seus encantos e ainda se gaba por ser venerado pela esposa.
O garotão, traído pelo narcisismo, esquece que as paredes são finas e têm ouvidos, inclusive os da mulher traída. 
Resumo da ópera: ele ganha a amante e perde aquela que o amava.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

corações e espelhos

Todos os corações são vermelhos
De muitas cores são os espelhos
Todas as orações são ouvidas
Até as que escapam entre os dentes
Mas as bênçãos são divididas
Face a pedidos tão excludentes
O certo pode ser escrito em linhas tortas
E só a paixão ressuscita palavras mortas
Todos os corações vermelhos são
Os daqui e os mais distantes, lá no Japão

os donos da verdade

A verdade é uma amante muito volúvel. Entrega-se a todos e vai embora depressa. Deve ser o bem mais disputado do mundo, pois muitos, se não todos, consideram-se seus proprietários. O curioso é que não há cercas, escrituras, embora tantas criaturas acreditem que são criadoras dela.
E ninguém fale em reforma agrária neste latifúndio, pois deter apenas um lote é como ter um bote e morar no deserto. 
Amigos e amigas, ela é admirável por ser indomável e não pertencer a ninguém. Além do que, não raras as vezes, é anfitriã indesejável, por não fazer de conta que não se desaponta com muitos dos eventuais convidados.

sábado, 25 de outubro de 2014

a celulite da alma

Tudo está em seus lugares. As suntuosas poltronas da primeira classe acomodando bundas abundantes. A cortina vedando imagens, mas permitindo a passagem dos odores. Aos indesejáveis outros é permitido
sentir sem ter. Ao contrário dos abundantes, que têm sem sentir qualquer constrangimento. E por que são tão diferentes? Estudaram mais, são geneticamente mais inteligentes ou predestinados ao luxo? Certamente, são indiferentes ao lixo que os rodeia. Mas o lixo foi aumentando, aumentando, acumulando tanto quanto seus ganhos de capital, até quase encostar em seus narizes empinados.
Ora, ora, quanta ironia! Agora, os proprietários de tronos também sentem, mesmo com repulsa, que a desigualdade também pulsa.
Sim, reis e rainhas, vocês estudaram mais e melhor. Não foram vítimas da evasão escolar, não moram longe de tudo, inclusive das oportunidades. Não precisam de cotas, a única cotação que lhes interessa é a do mercado financeiro. Vocês têm dinheiro, mas quem só tem dinheiro é muito, muito pobre. Herdaram as poltronas, os certificados de nobreza, orgulham-se de seu pedigree. Revoltam-se com as revoltas, indignam-se com os rolezinhos. Vocês dominam vários idiomas (vocês adoram dominar), mas desconhecem o idioma da tolerância, da generosidade, da compaixão, da equidade.
Trem só se for bala. Mas essa palavra assusta, lembra criminalidade, favelas, pobreza. É verdade, há tiroteios por toda parte (ultimamente, inúmeros nas redes sociais), mas balas são menos perdidas que gerações inteiras de deserdados, crianças e jovens precocemente destituídos de colos. Que muito cedo banalizam a morte física e psíquica do futuro.
Gente assim aprende depressa a chamar sofrimento de realidade.
Um recado à elite: alma também tem celulite.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

o juiz

O Juiz de uma pequena cidade senta no banco dos réus. Poucos sabem que ele está entre a vida e a morte (como todos nós). 
Um despreparado advogado contratado pelo magistrado vomita, antes de ingressar no Tribunal, por acreditar que a vida de seu cliente está em suas mãos. Coloca para fora, portanto, as próprias culpas que não foram absolvidas, os remorsos que deixaram de ser absorvidos no processo da sua vida. 
Outro advogado, filho do Juiz, entra no circuito e elabora a linha de defesa do acusado, a quem condenara tantas vezes por violar a "lei do
afeto".
Advogado, filho, juiz, réu e pai fundidos num banquete de significados remotos e de pouco controle. Um coquetel molotov de lembranças e esquecimentos que explode na alma das contradições do lugarejo.
Como ser justo com o outro e consigo mesmo, em meio ao vozerio de fantasmas interiores?
Ausências também podem ausentar-se, derrotas podem ser derrotadas,
o que se imaginava perdido ainda pode ser pedido.
Risos, lágrimas, flexões de sobrancelhas. Na tela rolavam os créditos e na minha poltrona uma ideia me cutucava. Cotidiana e metaforicamente, somos todos juízes e advogados. Quem são os réus?

terça-feira, 21 de outubro de 2014

como somos

Ah!! Benditas eleições. Não apenas a que determinará quem estará nos Palácios, mas as que fazem emergir os gritos até então escondidos em nossas gargantas. Colecionamos frustrações medievais, rancores ocultos no interior de paredes, como o fizeram cubanos simpáticos a Fulgencio Batista com seu ouro de tolo, na vã pretensão de desenterrá-los, quando a Revolução popular fosse enterrada. Essas exumações emocionais são
catarses poderosíssimas, embora desgovernadas. Despencam pelas ladeiras do inconsciente, até se espatifarem no concreto da realidade imparcial e apartidária.
Somos o que somos e o que fomos. Somamos fomes, dando-lhes nomes nem sempre corretos. O festival de ofensas verbais que infestam redes sociais é um espetáculo que incentiva a reflexão desapressada. Corações mais ressecados que o Sistema Cantareira chovem, trovejam, sem que vejam entrada ou saída. Labirintos escuríssimos em que medos trafegam em mão dupla como morcegos cegos, chocando-se uns com os outros,
numa Babel pós-moderna.
Até domingo que vem (e que ele venha logo), o tiroteio maniqueísta lançará suas balas perdidas como os sonhos de quem desistiu ou jamais se permitiu sonhar.
Li palavras da lavra de quem não conheço, que me fizeram um bem enorme. Conheci-me um pouco mais, revisitei páginas da minha história e como gostei de estar lá, estando onde e como estou. Preconceitos, generalizações, extremismos, amarguras crônicas são mais letais que o vírus do ebola. Tudo o que arranha a Natureza é bola fora, gol contra,
samba atravessado, harmonia desafinada. A beleza e a sabedoria esgotam-se, levando para o esgoto os maiores tesouros desta curta e insubstituível vida.
Tomara que também a vida tenha segundo turno, segundo tempo e que não seja rebaixada para a segunda divisão!

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

medo de que?

Vivemos uma crise de poder. Do tudo pode ao tudo poda.
Isso acontece no ambiente privado e no público. Em família, tememos dizer não aos filhos, que secretamente temem o excesso de sim, pois a saúde emocional deles depende de limites, do (pátrio) poder. Expressamos repúdio pelo autoritarismo e ao mesmo tempo clamamos pelo Estado punitivo, vigilante, entrincheirado em suas câmeras físicas e metafóricas. Soltamos a voz contra a corrupção e corrompemos nossas vozes, que calam diante de tanta iniquidade. Mal sabemos a igualdade que somos capazes de suportar, jamais sentimos o frio que só o outro (aquele de quem pouco ou nada sabemos) sente. Adultos, somos reféns das crianças que não conseguem dormir dentro de nós. Vivemos com medo de morrer de medo ou morremos de medo de viver sem medo?
Cada qual, a seu tempo, descobrirá.

domingo, 19 de outubro de 2014

terceiro turno

Política, assim como futebol e religião, são válvulas de escape para toneladas de emoções reprimidas. Catarses quase incontroláveis que se sucedem como avalanches. Palavras são proferidas e escritas como trovões ameaçadores, armas brancas que ferem todas as cores da existência. 
Se queremos um País melhor, não chegaremos ao nosso objetivo com manifestos de ódio, intolerância, excludência, preconceitos rasos. Rios assim não são navegáveis, mas podem afogar coisas preciosas, como a solidariedade, a compaixão e o desejo sincero de aprimoramento.
Posso votar num Partido sem partir para cima de quem tem opinião diferente. Podemos todos fazer diferente, fazer melhor, fazer o melhor que há em nós, o que suscitará nos outros movimento análogo.
Há pessoas de quem gosto que são flamenguistas, vascaínos, evangélicos, católicos, judeus, muçulmanos, budistas, ateus. Mas todos, sem exceção, são humanos. Ideologicamente à direita ou à esquerda, a direção preferencial e saudável é olhar o outro de frente. O que impede que nos unamos, apesar de ideologias, preferências clubísticas e convicções religiosos sutil ou substancialmente diversas, que podem partir amizades ao meio? Diversos são os caminhos que levam à harmonia, com a sabedoria e a sensibilidade que estão dentro de cada um de nós, por mais que alguns as temam tanto. Perder o medo de reencontrar a criança que fomos e somos, ter a coragem de saber-se frágil, encarar o desamparo que nos acompanha e conosco estará sempre facilitarão o enfrentamento de fantasmas que nos sussurram absurdos.
Se cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, para que disseminar a dor, se o que insemina a vida é o amor
?

sábado, 11 de outubro de 2014

o menino e as estrelas

Ainda bem que há um menino morando sempre no meu coração. A cada porrada, ele me estende a mão e me convida a descobrir caminhos, tão diferentes de atalhos que não conduzem a lugar nenhum. O garoto que fui e sempre serei não coloca em meus ouvidos cantos de sereias, mas me sugere que eu mergulhe para o alto, o suficiente para repousar em outros ninhos, onde não haja tantos predadores, onde não doam tantas dores. Como aceitar que qualquer sacanagem seja coisa normal? Então, não há nenhuma normalidade em mim e nem quero que haja. Devolvam-nos as estrelas que nos guiavam ou permitam que nós as guiemos para longe, muito longe de onde mora e se esconde a escuridão.

decoração

Conhecimento não é o que a gente decora, mas o que decora a gente.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

rotas

Deus me livre da perfeição, pois não sou divino. A exemplaridade causa-me arrepios. Ser modelo só para quem desfila em passarelas. Paradigmas,
receitas, cartilhas só servem para aprisionar, mutilar a originalidade. Aos impecáveis eu sugiro que se permitam pecar, ainda que sejam pequenos e deliciosos os pecados. Como seria a convivência com quem acerta todos os chutes e passes? Chutarei: só um passe de mágica conseguiria suportar toda a exaustão causada por quem é sempre "tão".
A mim, os tortos, enjeitados. Mas vivos e não quase mortos por compulsões cruéis. Desejo a proximidade dos que desejam, titubeiam, enganam-se, aprendem com os tropeços e voltam a tropeçar, ainda que em buracos distintos. A essas criaturas estendo a mão, o tapete modesto e acolhedor. E quem terá topete para julgar? O jogo é jogado e assim deve ser. Abraço as vitórias e sorrio para as derrotas. Alguns triunfos são rotos, alguns insucessos são rotas. E é por elas que se chega onde se precisa chegar.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

o bote

Eu sou metade Quixote
A outra metade aguarda meu bote
E ele virá, pode ter certeza
Para desatar todas as correntes, em meio à correnteza
Meu mote é viver distraindo a morte
Pois a vida opera milagres sem corte

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

segundo tempo

O Nordeste dilmou, São Paulo tucanou. Em quem terão votado os nordestinos radicados em Sampa? E os paulistas, teriam radicalizado no antipetismo? O mineiro Aécio perdeu em Minas Gerais, que elegeu um Governador petista. O PT perdeu acintosamente em SP, berço do Partido. O assistencialismo, encarnado pelo bolsa família, incomoda a classe média. Os desassistidos não estão na moda, mas conseguiram colocar coisas em suas bolsas, inimagináveis até pouco tempo atrás.
Marina e o PSB assustaram-se com o sucesso repentino nas pesquisas e acabaram qual serpentina, descrevendo uma parábola que baixou um pouco a bola alternativa. Para onde irá Marina, morena Marina? Olhará à direita, à esquerda, esperará o sinal ficar verde ou vermelho? Voará para os tucanos ou lavará a seco suas mãos, como boa ambientalista?
Votos não são endossáveis, como cheques. Mas ambos podem estar sem fundos.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

tragam e levem

Tragam de volta as plateias repletas
Levem consigo as cretinices indiscretas
Tragam de volta o mais puro talento
Levem consigo todo esse desalento
Tragam de volta os debates interessantes
Levem consigo as farsas e os farsantes
Tragam de volta a Baía de Guanabara
Levem consigo o óleo de peroba na cara
Tragam de volta a piada inteligente
Levem consigo quem não gosta de gente
Tragam de volta o futuro dos nossos sonhos
Levem consigo o medo e os pesadelos medonhos
Tragam de volta as ruas que são nossas
Levem consigo as promessas insossas
Tragam de volta as irreverências levitantes
Levem consigo as reverências nauseantes
Tragam de volta a inocência perdida
Levem consigo o que desacata a vida

terça-feira, 16 de setembro de 2014

constatação

Se eu soubesse que envelhecer me faria tão bem,
já teria feito isso antes.

domingo, 14 de setembro de 2014

falo e falácia

Os homens são de Marte. As mulheres também. Há homens que são de morte. Algumas mulheres também. O interessante é que homens e mulheres, a despeito dos planetas natais, apresentam características de Vênus, Saturno, Mercúrio, Plutão... Mas todos (eu disse todos, extensivo a todas) são mesmo é da Terra. Somos frutos da sociedade e não do gênero. Furtos do insaciável desejo de saciedade, que se apropria de nossas cucas, fundindo-as e confundindo-as. No mais, somos insuportavelmente normais.
A meiguice constante que se esperava e exigia das mulheres é algo perturbador e nada saudável. Aliás, isso fazia parte (e ainda faz) de um repertório sádico de homens que subjugavam suas parceiras, impondo-lhes um padrão de comportamento próprio de cativeiro. Diziam eles: releve, renuncie, compreenda.
E, como se não bastasse, diante das atitudes masculinas mais deploráveis, defendiam a ideia de que aquilo era "coisa de homem". Ora, coisa de homem é o falo e não a falácia chauvinista que tentava eclipsar o que estava à vista.
Que viva a diferença, liberta da indiferença atroz. Homens e mulheres compartilhando direitos e obrigações...isso é muito bom para todos nós.

outras coisas

As aparências esganam.
Arroz com feijão é diferente de feijão com arroz.
Dois nós é completamente diverso de nós dois.

0 x 0



Os desabafos são abafados pelo bafo do tempo.
Um a um, até que tudo fique zero a zero.
Verdades arranhadas por mentiras acanhadas,
como prédios comem e arranham céus,
até que quase todas as estrelas sejam abocanhadas.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

outra esfera

Tudo que mais desejamos está à nossa espera.
O que ainda não desejamos...está em outra esfera.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

duas pessoas

Porque te amo, sei que somos duas pessoas
Porque te amo, não bato as asas, quando voas
Porque te amo, eu me amo ainda mais
Porque te amo, não há âncoras, apenas cais

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

o pó da ilusão

Aumentou significativamente, nos últimos cinco anos, o afastamento do trabalho pelo uso de cocaína. 
Quando o buraco existencial não pode mais ser tapado com quinquilharias,
busca-se no pó da ilusão a solução. O resultado? Grandes soluços, pouco
Sol e muita solidão.

Amem, amém

Você quer abraços e o universo também. 
Você diz amem e ele diz amém!

domingo, 7 de setembro de 2014

Independência

Dia da independência. Agradam-me as independências, a despeito das pendências. Mas, cá entre nós, resolvê-las depende só da gente. 
Urgente é tornar-nos independentes o suficiente para ficarmos cientes da imprescindibilidade da independência.

sábado, 6 de setembro de 2014

Dia do sexo

Sexo pode ser feito a qualquer hora do dia e/ou da noite
Mas não é da noite pro dia que se aprende a ter e dar prazer
O sexo do P de pressa, do E de egoísmo ou do D de desamor é puro açoite
Para valer a pena, deve ser recitado por quem o faz, de A a Z.

a finitude da finitude

O que acaba não acaba com a gente e nem na gente,
pois o sentimento tem ótima memória.
A passagem é apenas uma presença diferente.
Só o esquecimento é morte sem vida, mas isso é outra história.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

reconhecimento

É conveniente reconhecer a firma de nossas emoções.
De vez em quando, podemos confundi-las com outros sons.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

educa(n)ção

A gente só aprende quando não se rende ao ensinamento.
O aprendizado é uma luta renhida entre o antigo e o novo, 

muito mais que a passiva aceitação de um enunciado.
A lição profunda e duradoura chega como uma cantiga,
que hipnotiza o que se sabia até aquele momento.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

aversão à versão

A vida é feita de fatos e versões. Fatos comportam interpretações. E os intérpretes mencionam os fatos analisados. Ao contrário de quem propaga versões. Neste caso, os fatos não só são omitidos como substituídos por caricaturas.
O que são versões exatamente? A pergunta já peca pelo advérbio, pois não há exatidão em versões. Elas são conversas pela metade, diversões de quem despreza fatos, transformando-os em artefatos. 
Bom seria se versões fossem apenas versos grandes. Contudo, são o adverso, que sufoca o verso. Plágios da mentira, invariavelmente anônimos, como as fofocas, que não rimam com a verdade nem com a beleza, que não gostam de chuva nem gostam de sol.

sábado, 30 de agosto de 2014

a cor da estupidez

Durante o jogo entre o Grêmio e o Santos, em Porto Alegre, houve mais um lastimável episódio de racismo. Torcedores gaúchos ofenderam o goleiro Aranha, que se indignou, chamando a atenção do árbitro da partida para a atitude criminosa. O responsável pela condução do evento esportivo chegou a repreender o atleta vitimado pela discriminação racial.
Mais tarde, talvez motivado pela repercussão do fato na imprensa (tanto paulista quanto gaúcha), elaborou adendo à súmula, relatando o que omitira anteriormente.
Ora, o Grêmio é branco, é preto e azul, a exemplo do Brasil de todas as cores. Que bola fora, um gol contra os valores mais elevados, que devem nortear todas as instituições e todas as pessoas, em qualquer lugar do planeta. O que justificaria a reincidência de hostilidade tão primitiva quanto repugnante?
Estou contigo, Aranha! Saiba (e sabes) que tal comportamento grotesco sequer arranha o orgulho de sermos o que somos.
Aos agressores, a lei. Além do meu sincero desejo de que algo os faça mudar de cor, o vermelho da vergonha.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

História e histórias

Minha mais profunda admiração aos que não cederam, àqueles que se deram muito mais do que era razoável imaginar. Minha homenagem aos guerreiros que tentaram acender a noite mais escura com toda a fé, que mergulharam em busca da cura, mesmo quando não dava mais pé. Todo o respeito a quem não se escondeu quando o pau quebrou, aos que deram a cara a tapa, ainda que isso tenha custado tão caro. O tempo fechou, o sinal avermelhou, as sirenes soaram, os corpos suaram, até secar. A esperança voou pelos ares, mas eu digo que valeu a pena. Só assim nós pudemos respirar o ar da liberdade com que tanta gente somente sonhou. Vida longa aos melhores sonhos. Quanto aos sonhadores, eles permanecerão vivos graças à História e às histórias que nós contaremos aos que vieram depois.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Marina

Marina morena Marina você se pintou
com o verde da selva e da esperança que você suscitou
Marina você faça tudo, mas faça o favor
de resistir a todas as pressões, venham lá de onde for
Já me aborreci, me zanguei, já não posso calar
E quando eu me zango, Marina, não sei mais votar
Eu já desculpei tanta coisa, 
até me cansar do diferente tão igual
Desculpe morena Marina, 
mas meu desabafo não pode ter um ponto final.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

carpe diem

Carpe diem, fantástico Robin McLaurin Williams. Ou o inesquecível Professor Keating, que ensinava a seus alunos a relativa importância dos mestres e a absoluta importância das lições.
O Captain! My Captain! Cada dia desta vida repleta de noites e dias pode ser vivido de maneira extraordinária. Desde que a poesia sobreviva às mortes da sociedade e dos poetas.
A vida, ora, a vida é um universo de pétalas tão deslumbrantes quanto frágeis. Ágeis são o tempo e suas emboscadas.
Robin foi asfixiado por algum túnel imenso, cuja saída não encontrou.
O circuito tornou-se gigantescamente curto, as conexões expiraram,
tudo pirou. Hoje, é imperioso conectar, para quitar dívidas, para desquitar-se de dúvidas acerca da morte e da vida, que são tão próximas, sem cerca alguma que as separe,
O Captain! My Captain! Estou sobre a mesa, invocando a chama da
ousadia, o espírito da liberdade, convocando as palavras mais certeiras,
provocando as futilidades, as obviedades e tudo que ofusca a criação.
É criando que nos rebelamos, que nos revelamos a nós e ao mundo.
Velemos Keating, velejemos no profético ardor de Walt Whitman:
"Esta manhã, antes do alvorecer, subi numa colina para admirar o céu povoado,
E disse à minha alma: quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?
E minha alma disse: não, uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho".
É isso que faremos: prosseguiremos no caminho, que nos levará a outros caminhos, outros mundos, a outros motivos para dizer bem alto:
O Captain! My Captain!.

domingo, 10 de agosto de 2014

aos pais

Quando eu era cronologicamente jovem, pensava que ser pai era muito simples. Bastaria ter filhos. Logo compreendi que o pai biológico é apenas um nome na certidão de nascimento dos filhos. 
O pai precisa ser um pouco arquiteto, pois opina nos projetos dos filhos, participa da escolha das ferramentas, cuida da solidez das estruturas e da segurança dos tetos. Pai tem um viés de atleta, para caminhar e correr junto, quando for preciso. Fundamental ter boas noções de primeiros socorros (quantas suturas e curativos são feitos, nos corpos e almas de quem ajudamos a trazer ao mundo). Um pai bacana faz estágio num circo, habilitando-se às palhaçadas tão oportunas, que trocam soluços por gargalhadas. Pai tem poder de improviso, para inventar historinhas, na hora de dormir ou para distrair dores oportunistas e angústias tão recorrentes quanto a infância (de filhos e pais).
Acima de tudo, Pai (com P maiúsculo) é aquele que ama de verdade (aliás, há outra modalidade?), que ama a verdade, deixando esse legado a quem é sinônimo de amor.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

trocas ocas

O sistema avisa: é preciso trocar. De casa, de caso, de mulher, de marido, de carro, de bolsa, de valores, de sapatos. Até de patos ou pathos, dependendo da criação. Iphone, ipad. Ai, ai, ai...É necessário sujar muito para comprar outra máquina de lavar. Tudo fica obsoleto, ou melhor, tem que ficar. As versões multiplicam-se, as invenções não cessam, não há cessar fogo na fogueira de vaidades e haja fivelas para os cintos de desnecessidades. Seu time só perde, a ponto de você perder a vontade de adquirir um pacote pay per view? Mude de time, viu? Mas não deixe de pagar, consumir. Ainda que você suma, no meio de tantas quinquilharias. É preciso trocar, mesmo que no fundo, no fundo você não precise. E será que ainda sabemos do que precisamos e o que é preciso sabermos? Os caminhos do equilíbrio e da sabedoria são mesmo ermos.
Está insatisfeito/a com a sua cara? Compre outra ou a permute por uma coroa. Ou vice versa. Mas saiba que tudo tem seu preço. Acontece que até o preço pode ser trocado, graças aos parcelamentos, que significam inúmeras parcelas primeiro e inúmeros lamentos depois, quando o recorrente e tórrido impulso for também trocado pelos números frios da realidade. Só que a realidade não aceita trocas nem devoluções.

é bola fora

Epidemia na África: fora ebola !
Guerra na Faixa de Gaza: é bola fora !

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Há de ter gente

O mundo inteiro fica bem aqui em frente,
mas não há muita gente
Tudo hoje em dia é tão urgente 
que fica difícil entender tamanha sujeira, 
quando existe tanto detergente.

sábado, 2 de agosto de 2014

anjos da paz

Chamem os anjos da paz
Que eles nos ensinem como é que se faz
Enfeitem as trincheiras com flores
Lacrem as sepulturas de todos os rancores
Bombardeiem-se as intolerâncias inúteis
Silenciem de uma vez os motivos fúteis
Trégua a qualquer desatino
Seja "palestrense" ou "israelino"
A Terra e não somente a terra é a nossa casa
Que isso valha em Jerusalém e também em Gaza

Bom dia, mas bom dia mesmo, dito e sentido com força e com vontade e não a esmo. Luzes às escuridões! Não ladremos nem aos ladrões e deles
roubemos o vazio que não conseguem preencher. Bom dia a judeus e palestinos. Que nasçam destinos tão meninos quanto todos eram, foram e ainda são, por mais que se fantasiem de soldados, por mais que estejam moldados a tão remotos padrões. Bom dia a patrões e empregados. Que o diálogo valha mais que a mais valia. Que esta manhã inaugure alguma coisa em cada um de nós. E ao mesmo tempo nos salve, nos liberte das verdades mentirosas e das certezas ociosas que nos habitam somente por força de hábitos e crenças caducos e mal humorados.
Que tal dizer xô a essa inhaca e começar o dia com a corda toda?

segunda-feira, 28 de julho de 2014

que nada

Talvez para mim o mundo não tivesse jeito
Talvez o súbito abismo, de tão fundo,
nem coubesse no meu peito
Talvez eu aceitasse as regras
de um jogo muito sem graça
Talvez eu até me tornasse indiferente
ao que mal chega e já passa
Talvez eu abandonasse meu time,
depois de um caminhão de derrotas
Talvez eu acreditasse que as exclusões
seriam abolidas por cotas
Talvez eu renunciasse às escolhas
e escolhesse a mais silenciosa abstenção
Talvez eu anunciasse no meio da rua
que só caminharia na contramão
Talvez minha voz cedesse sua vez
àquelas que fazem tanto barulho
Talvez eu pudesse decorar tantas teorias vazias
até transformar minha mente num estranho entulho
Talvez eu me acostumasse com direitos elementares
enterrados em cova rasa
Talvez minha indignação nem se iluminasse
com tanta escuridão na faixa de Gaza
Talvez eu sentisse conforto no ceticismo
e me escondesse na solidão
Talvez eu distraísse minhas angústias
com circo e pão
Mas nada disso eu consigo,
pois uma chama misteriosa me diz "que nada"
e permanece comigo.

domingo, 27 de julho de 2014

sãs

Entendo de adiamento de mortes (assim mesmo, no plural). Já quase morri algumas vezes, noutras talvez tenha tido mais êxito. É vital morrer muitas vezes..de fomes e sedes, que não são (quiçá, nem devessem ser) saciadas. Feito um saci, pulando numa só perna, para descansar a outra, escapei de armadilhas, sem me entrincheirar. Pois gosto muito do cheiro das lutas poéticas, amo o contorno das luas e das noites tão éticas, por seu compromisso de respeito às manhãs, que precisam chegar, no tempo certo. E é de manhãs que desejo falar. As dores, as febres, as geleiras, as aflições, com ou sem eiras e beiras, tudo isso tem fim nas manhãs e suas adolescências. Elas são sãs em suas repetições (ao contrário de nós) e jamais são vãs, por inaugurarem nelas e na gente alguma coisa sempre diferente. Sonho sonhos e creio ser sonhado por eles, que quase me devoram, mas me preservam, para que eu não perca a possibilidade (sempre exercida) de sonhar.

indiferente

A famosa luta contra o tempo nunca acontece
Ele ignora o combate, deixa o tempo passar e simplesmente se esquece

pulsando

Sábio é o desejo, que se realiza na morte
e depois dela nasce ainda mais forte.

sábado, 26 de julho de 2014

amantes

O acaso e a eternidade foram vistos se beijando, em plena luz do dia.

longevidade

Para não devorar meu amor, foi preciso sentir o sabor de sua ausência presumida.
Para que o meu amor não me devore, ausentei-me da certeza que o meu sabor lhe dava, de que sua fome seria recompensada.
Para que o nosso amor não nos devorasse, resistimos à tentação de odiar-nos, mais do que o necessário.
Foi exercício diário de abandonos sem danos e sem despedidas. 
Almas que se despiram da nudez compartilhada, sem que deixassem de ser um par tão ímpar.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

descobertas

Minha mãe jamais cobria seus pés, ao deitar. Mesmo no inverno, com o resto do corpo repleto de agasalhos e edredom, tinha e mantinha o dom de preservar os passos livres e desembaraçados. Possivelmente, sua mente considerava um imenso e incogitável risco tapar os condutores, por temer que também os caminhos ficassem obstruídos.
Ela dizia sentir falta de ar nos dedos dos pés. Afinal, era preciso oxigená-los constantemente, para que pudessem permanecer escavando a terra bruta, retirando as pedras e, com elas, construindo túneis mirabolantes que a entregassem aos seus objetivos variados e invariavelmente irreverentes.
Therezinha não era mesmo chegada a reverências e quando o assunto não lhe convinha, quanta habilidade ou, na falta dela, coragem para encontrar a saída!
Maria que foi e não foi com as outras, não mandava recados nem colecionava recatos. Ia direto ao ponto, ainda que a exclamação fosse um ponto final. Afinal, a principal mania daquela Maria era transformar toda e qualquer rotina em algo suficientemente original.
Mãos que desenhavam e pés que pintavam o sete, estivessem ou não num setting (e de regra não estavam).
Uma mulher inventiva, que desprezava setas, seguindo sempre a direção de seus próprios ventos.