sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Hannah Arendt

Hannah sabia o que dizia. Judia, não judiava do pensamento aberto, escancarado, indomável. Hannah filosofava com os pés no chão (de estrelas).
Brilhava sem constrangimentos, livre de falsos pudores. Hannah trazia na alma
diversos odores: dos horrores da guerra, das dores da exclusão, das torres subterrâneas das prisões, mas daquelas que tentam aprisionar corpos e mentes,
mediante a torturante ideologia da menos valia, da insignificância do recluso,
reduzido a algarismos, misturados à algazarra de tantos lamentos.
Uma mulher que começava e terminava do mesmo jeito, como seu nome.
Que persistia, resistia, insistia naquilo em que acreditava, que não editava suas emoções. Uma mulher que não fazia gênero e desprezava o sucesso efêmero
das opiniões convenientes, subservientes.
Seus alunos sorviam suas palavras, empapavam-se com o entusiasmo que
escorria de cada frase, iluminavam-se com o brilho incandescente daqueles olhos
sagazes, que enxergavam longe (para trás e para a frente).
Afirmava sua incapacidade de amar qualquer povo. Amava seus amigos,
que nem sempre a souberam amar, da mesma maneira incondicional e desconcertante.
Denunciou a bizarra tese do "estrito cumprimento do dever". Crimes
cometidos por "ninguém", na medida em que quase todos se eximiam de responsabilidade, em nome do "dever de lealdade". Amorfos "cumpridores de ordens", burocratas que renunciavam ao juízo moral, que abdicavam da condição humana da
racionalidade. Raquíticos carimbadores, que se agigantavam sadicamente, por detrás
de seus carimbos.
Hannah desafiou maniqueísmos, olhou para os olhos do Mal, sem chorar
nem sorrir, tampouco imaginando-se emissária do Bem.
Os dantescos carrascos de gabinete entendiam que sua participação exauria-se ao colocar os trens em movimento. O trem da História passou por cima deles.
Histórias parecidas acontecem quase todos os dias, guardadas as devidas (e indevidas) proporções.
Os trens ainda circulam... e nós não somos apenas passageiros.

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