sábado, 16 de abril de 2016

Os castelos da cegueira

"Se não houver limite para a idiotice, resta isolar-se e estocar alimentos".
Sim, vivemos tempos bicudos. Simone de Beauvoir demonizada por seleto grupo de não-pensantes, o poder pútrido escapando de mãos inábeis e permissivas para outras habilíssimas na arte de bajular o poder.
O mais interessante é que a burrice é bastante democrática, circula por todas as classes sociais, frequenta ambientes acadêmicos, é aprovada em concursos públicos e até chamada de "excelência".
"A burrice, tanto como categoria cognitiva quanto moral, venceu".
Fora comunistas, fora Simone de Beauvoir, fora diferentes de mim,
que não compreendem minha estupidez, minha incapacidade de, ao menos, desenvolver alguma curiosidade por aquilo que vai um centímetro além do que me disseram que era certo e bom.
Quem rompe com a crosta de autoritarismo é rapidamente rotulado de transgressor, marginal, bandido. Oferecem ao delinquente algumas alternativas de castigo: a masmorra, a fogueira, o tronco ou, o pior de tudo, o desprezo.
"Se a linguagem nos tornou seres políticos, a destruição da linguagem nos tornará o quê?
Somos atropelados por clichês, lugares-comuns, mesmices, repetições enfadonhas e tacanhas do que foi dito e vendido como verdade absoluta no Jornal da tv. Aos poucos, mas com determinação assombrosa, arrancam de nós os pensamentos autênticos, originais, criativos.
Reproduzimos, compartilhamos, copiamos, destituídos, cada vez mais, de senso crítico e autonomia intelectual.
As redes sociais correm o risco (para ser bastante otimista)de serem convertidas em clubinhos de idênticos, álbuns de duplicatas, onde os "amigos" ou seguidores concordam com cada postagem, por mais cretina que seja.
O ódio é ostentado orgulhosamente, em textos pasteurizados. Armas brancas, afiadas, apontadas, invariavelmente, para os hipossuficientes, vulneráveis, ignorados pela avalanche de ambições materiais, os que nada valem, além da produção de mais-valia. A vida foi reduzida à lógica da economia. Será essa a causa de tanta economia de inteligência e sabedoria?
"Precisamos resistir em nome de um diálogo que torne o ódio impotente"
Marcia Tiburi, em seu instigante livro "Como conversar com um fascista", afirma que "não acabaremos com o ódio pregando o amor", "mas agindo em nome de um diálogo que não apenas mostre que o ódio é impotente, mas que o torne impotente".
Estaria aí a pedra fundamental da luta contra a antipolítica.
O fascista odeia muitas coisas, dentre elas, a diferença. O que se afasta de suas siderúrgicas certezas é insuportável, ameaça sua frágil rede de segurança. Então, a revelação de suas gigantescas contradições, pela via do diálogo (ainda que difícil, árduo, quase inviável), torna-se instrumento de resistência, na medida em que coloca diante dos "cegos dos castelos" algo arrebatadoramente novo, que sacode seu temor maior, qual seja, a nudez do pensamento. Afinal, o bom reacionário cuida de proteger suas ideias de toda luz , que precisam permanecer no isolamento obscuro de suas crenças, para sobreviver.
Nas palavras de Eliane Brum: " É isso ou não vai adiantar nem estocar alimentos".

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