domingo, 2 de outubro de 2011

universo paralelo

Sempre gostei de espelhos. Não necessariamente para ver algo. Aquele objeto é a
própria visão, com seus conteúdos de profundidade e magia, a engolir significados.
Espelhos dão um toque de amplidão ilusória aos ambientes, levando para o fundo
o que está à frente. Na verdade, eles extinguem os limites, criando espécie in door de
borda infinita. E a idéía do infinito me seduz. A gente olha para aquela parede espelhada,
imaginando quem são aquelas pessoas lá longe, sentindo vontade de ir até lá. Uma vez,
ao entrar distraidamente no banheiro de um shopping, dei de cara com um homem muito
parecido comigo, que vinha inexoravelmente em minha direção. Assustei-me, tentei desviar,
mas ele parecia adivinhar meus pensamentos e convergíamos para o mesmo ponto.
Foram necessários alguns segundos para que me desse conta do que havia à minha frente.
Comicidade pura ou a encenação inesperada de um espetáculo dramaticamente cotidiano?
Talvez seja a vida humana um imenso e desconcertante jogo de espelhos, em que nos
surpreendemos com o que já conhecemos, apenas por estarmos submetidos a perspectivas novas.
O que nos rodeia é um amálgama de familiaridade e espanto, repetição e ineditismo.
Existe ainda o espelho metafórico, representado pelo "outro", no qual projetamos
desejos ocultos, crenças remotas, fantasias cifradas.
Aqui a crítica é exacerbada, beirando por vezes a intolerância.
Transformamos outras pessoas em telas, onde assistimos, atônitos, a reprodução
de imperfeições, que nos incomodam profundamente.
Por isso, as rejeitamos, sem nos dar conta de que, mais uma vez, estamos diante de...
réplicas de nossa própria imagem.
Narciso afogou-se na contemplação de sua vaidade, diante do espelho da água.
Tanto tempo depois, os  irreverentes espelhos continuam aprontando travessuras,
mostrando a todos nós o que nem sempre queremos enxergar.


2 comentários:

  1. O espelho da alma...
    Reflete melhor o nosso retrato!

    Um abraço carinhoso

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  2. Indiscretos e incompletos.
    Insensíveis, não "salvam" as imagens capturadas.
    Adorei a crônica.

    BeijooO*

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