sábado, 25 de outubro de 2014

a celulite da alma

Tudo está em seus lugares. As suntuosas poltronas da primeira classe acomodando bundas abundantes. A cortina vedando imagens, mas permitindo a passagem dos odores. Aos indesejáveis outros é permitido
sentir sem ter. Ao contrário dos abundantes, que têm sem sentir qualquer constrangimento. E por que são tão diferentes? Estudaram mais, são geneticamente mais inteligentes ou predestinados ao luxo? Certamente, são indiferentes ao lixo que os rodeia. Mas o lixo foi aumentando, aumentando, acumulando tanto quanto seus ganhos de capital, até quase encostar em seus narizes empinados.
Ora, ora, quanta ironia! Agora, os proprietários de tronos também sentem, mesmo com repulsa, que a desigualdade também pulsa.
Sim, reis e rainhas, vocês estudaram mais e melhor. Não foram vítimas da evasão escolar, não moram longe de tudo, inclusive das oportunidades. Não precisam de cotas, a única cotação que lhes interessa é a do mercado financeiro. Vocês têm dinheiro, mas quem só tem dinheiro é muito, muito pobre. Herdaram as poltronas, os certificados de nobreza, orgulham-se de seu pedigree. Revoltam-se com as revoltas, indignam-se com os rolezinhos. Vocês dominam vários idiomas (vocês adoram dominar), mas desconhecem o idioma da tolerância, da generosidade, da compaixão, da equidade.
Trem só se for bala. Mas essa palavra assusta, lembra criminalidade, favelas, pobreza. É verdade, há tiroteios por toda parte (ultimamente, inúmeros nas redes sociais), mas balas são menos perdidas que gerações inteiras de deserdados, crianças e jovens precocemente destituídos de colos. Que muito cedo banalizam a morte física e psíquica do futuro.
Gente assim aprende depressa a chamar sofrimento de realidade.
Um recado à elite: alma também tem celulite.

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