sábado, 6 de junho de 2015

Barcéulona

Aturdido por tantas notícias ruins, assolado por escândalos e por uma escandalosamente prolongada entressafra de talentos, eis que, diante de meus olhos desabituados de admiração, jogam Barcelona e Juventus a finalíssima da Copa dos Campeões da Europa. Fora apenas uma partida de futebol e seria o bastante para aqui declarar meu entusiasmo. Explico: ontem tive o desplante de passar hora e meia sendo torpedeado por cenas paupérrimas do jogo Botafogo e Mogi Mirim. Diga-se de passagem, esse confronto não fica muitíssimo distante de tantos outros que castigam os torcedores de futebol mais abnegados.
Barcelona e Juventus redimiram a mim e a todos que, quase esquecidos dos fundamentos mais elementares do esporte bretão, estão a um passo de habituar-se com a tragédia dos passes mais equivocados que os políticos pátrios. E na classe política incluo, como deveria fazer, muitos dirigentes de entidades desportivas. Afinal de contas, eles também têm estranha resistência às prestações de contas e ainda mais insólita paixão pela obesidade de suas próprias contas (bancárias).
O Barcelona, da Espanha, representa a técnica apurada, o virtuosismo, a primazia da ofensividade, o fascínio pelos beijos da bola nas redes adversárias. A Juventus, velha senhora italiana, a despeito de bons jogadores, adota estratégia mais defensiva, o pragmatismo de apostar no erro fatal do oponente, a objetividade cartesiana, sem compromisso assumido com o encantamento.
Por tudo isso, escolhi a equipe catalã como minha favorita, por indiscutível identificação com o que ela significa no cenário futebolístico atual e no imaginário do embate entre poesia e concretude.
Vieram-me à mente as impagáveis conversas de bar, pessoas a quem se quer bem, a descontração, a informalidade, os guardanapos tatuados de rabiscos inspirados. Paralelamente, a visão de incontável aglomeração de estrelas no céu, convidando às mais alucinadas abstrações. Para completar, a magia guardada pela lona do circo, a leveza plástica dos trapezistas, a alegria dos palhaços, as surpresas das cartolas dos mágicos.
O lúdico, o etéreo, o enigmático contrariando o lúcido, o sólido, o invariável.
Assim é e foi o Barcelona hoje: embriagante como as resenhas dentro de um BAR, estelar como o CÉU que nos tira do chão, envolvente a ponto de levar à LONA o adversário. Barcéulona, desculpe-me pelo neologismo e receba meus aplausos de pé, pela capacidade de fazer com os pés as fundamentais carícias no corpo e na alma da arte, mãe de todas as coisas mais belas.

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